Vou chamar a polícia e outras histórias de terapia e literatura
(Agir, 2009) é um livro do psicoterapeuta e escritor Irvin D. Yalom, autor
dos famosos romances best-sellers Quando Nietzsche
Chorou e A Cura de Schopenhauer, que
mesclam filosofia, psicologia e biografia histórica. Neste livro ele apresenta
cinco textos onde descreve a influência das grandes obras da literatura
universal sobre suas atividades de terapeuta e escritor, e o processo de
criação de alguns de seus livros.
Em Vou chamar a polícia, que
dá nome ao livro e foi escrito em coautoria com seu amigo e cirurgião cardíaco
Robert L. Berger, ele fala sobre uma habilidade do cérebro que sempre me
fascinou, que é a capacidade de guardar memórias em pontos inacessíveis ao
consciente e conseguir resgatá-las após uma experiência sensorial como um
cheiro, ouvir uma música, ver uma foto ou um quadro, entre outras. Acompanhamos
o relato de Berger, cirurgião bem sucedido e viciado em trabalho mesmo após a
aposentadoria, sobre como um incidente no aeroporto de Caracas, na Venezuela,
em que ele se salvou de um sequestro ao chamar a polícia, trouxe de volta à
tona uma experiência de sua adolescência, quando fazia parte da resistência contra
o nazismo na Hungria. Nesta lembrança traumática há muito esquecida, ele foi
capturado junto com um casal de idosos judeus por um miliciano nazista e foi
salvo de forma similar após chamar um policial, mas mesmo conseguindo se
salvar, não conseguiu salvar o casal. Yalom postula então que esta experiência
teria sido fundamental na escolha de Berger pela medicina, como forma de se
redimir salvando centenas de pessoas; inconscientemente tentando compensar a
horrível morte do casal.
Irvin D. Yalom |
O segundo texto, A literatura instrumentando a psicologia,
fala sobre a influência da literatura no trabalho do autor como psicoterapeuta
e em seus textos acadêmicos. Ele usa Alice
no País das Maravilhas e Através do
Espelho, de Lewis Caroll, para falar sobre isolamento; Amor e Liberdade, no
romance A Queda, de Albert Camus; A transferência,
no monumental romance Guerra e Paz,
de Leon Tolstói; Angústia, na peça As
Moscas, de Jean-Paul Sartre; e Tomada de Decisão, na obra Grendel, de John Gardner. O autor
defende a tese de que os primeiros psicólogos foram os grandes romancistas da
literatura, pioneiros em desvendar a natureza humana.
O terceiro texto, A
viagem da psicoterapia à ficção, fala sobre os bastidores de seu
processo criativo e a relação entre sua atividade de psicoterapeuta e a
literatura. Acompanhamos a interessante história por trás do livro Every Day Gets a Little Closer: A Twice-told
Therapy, escrito em coautoria com sua paciente Ginny Elkin (pseudônimo), que
é uma compilação dos relatos escritos pelo terapeuta e pela paciente
descrevendo cada um sua versão sobre cada sessão de terapia. Foi uma maneira
criativa de ajudar sua paciente Ginny, uma mulher insegura e aspirante a
escritora que sofria de um forte bloqueio criativo, e ainda estimular o próprio
Yalom a começar sua própria carreira literária.
Também ficamos sabendo como foi
escrito outro sucesso de Yalom, O
Carrasco do Amor, que é uma coletânea de dez contos inspirados em histórias
reais de pacientes tratados por ele e que reproduzem aspectos da psicoterapia. Ele
descreve os quatro dados que considera relevantes para a psicoterapia e que
também são relevantes na literatura:
Descobri que quatro dados são
particularmente relevantes para a psicoterapia: a inevitabilidade da morte para
cada um de nós e para aqueles que amamos, a liberdade de viver como desejamos,
nossa condição fundamental de solidão e, finalmente, a ausência de qualquer
significado ou sentido óbvio para a vida. Embora esses dados possam parecer
terríveis, eles contém as sementes da sabedoria e da redenção. Espero
demonstrar nestes dez contos sobre psicoterapia, que é possível enfrentar as
verdades da existência e aproveitar o seu poder para a mudança e o crescimento
pessoais.
Somos agraciados com um destes
contos, Se o Estupro fosse legal..., sobre
um homem com câncer em estágio terminal que se mostra uma pessoa detestável com
sua obsessão por sexo e seu desprezo pelas pessoas e seus sentimentos. Odiado
pelos outros membros de seu grupo de terapia, tem sua vida mudada em uma sessão
de terapia individual após uma reviravolta em que percebemos que ele não é uma
pessoa tão desprezível assim. Este livro já entrou para a minha lista de
leituras futuras!
No quarto texto, O Romance Pedagógico, ele descreve o
processo de criação de seu livro mais famoso, Quando Nietzsche Chorou, em que faz uma abordagem existencial da
psicoterapia utilizando-se da filosofia e de personagens históricos reais como
Josef Breuer, Sigmund Freud, Lou Andreas-Salomé e o próprio Friedrich
Nietzsche. Neste livro ele novamente aborda alguns de seus temas favoritos, que
são a relação terapeuta-paciente, mostrando como ambos podem se beneficiar nas
sessões de terapia; e a inversão dos papéis, onde o do paciente ajuda a curar o
terapeuta, que como qualquer ser humano, também tem seus problemas existenciais.
Nesta história ele também especula se as ideias de Freud não teriam sido
influenciadas pelos textos de Nietzsche. Estes foram contemporâneos mas não há
registros de que tenham se encontrado. Ele fala aqui da ideia de Nietzsche do super-homem, que é aquele que não teme a
verdade e vive de acordo com ela, por mais dolorosa que seja; aquele que vive a
vida mesmo que esta não tenha sentido, e acredita que esta é a melhor vida por
ser a única que temos e teremos. Outra ideia central na filosofia de Nietzsche
é o eterno retorno, um experimento
mental onde imaginamos um universo infinito de tempo e possibilidades onde tudo
poderia se repetir infinitas vezes. Segundo esta ideia, devemos viver a vida de
maneira em que caso tivéssemos a oportunidade de viver a mesma vida infinitas
vezes, viveríamos da mesma forma sem se arrepender de nada.
O romance psicológico, quinto e último texto do livro, fala sobre a
criação do livro Mentiras no Divã,
onde discute os limites éticos da psicoterapia e a relação entre o terapeuta e
o paciente. Ele discute a questão da transparência e a interação entre o
terapeuta e se este deve ser impessoal ou mais aberto. Surgem ainda questões
sobre pagamento, amor e amizade. A dupla vida de terapeuta e romancista de
Yalom é responsável por um de seus maiores temores, que é o seu medo que
confundam seu trabalho acadêmico com sua ficção. Alguns críticos já o acusaram
em resenhas e críticas que sua obra de ficção não seria ficção, mas sim, meros
relatos de situações vividas em seu consultório.
O livro Mentiras no Divã é uma ficção sobre os limites éticos da terapia e
sobre a onda de processos de pacientes contra terapeutas nos Estados Unidos. Ao
final temos o prólogo deste livro onde o protagonista, Dr. Ernest Lash, um
médico recém saído da residência e atuando em pesquisas de neuroquímica,
relembra seu início de carreira, quando foi nomeado para o Comitê de Ética
Médica do hospital onde trabalhava e teve que participar de uma ação
disciplinar contra o Dr. Seymour Trotter, um idoso de 71 anos, renomado
patriarca da comunidade psiquiátrica e ex-presidente da Associação Americana de
Psiquiatria, acusado de má conduta sexual por uma paciente de 32 anos. O idoso
médico, ao utilizar métodos nada ortodoxos para tentar curar sua paciente, se
vê comprometido com uma promessa que pode acabar com sua carreira e seu
casamento. A picante história do Dr. Trotter revela a verdadeira vocação do
protagonista, que é a psicoterapia.
Um excelente livro para aqueles
que se interessam por literatura e o processo de criação literária, e também
para aqueles que se interessam por psicologia, psiquiatria e filosofia. Para
quem não conhece Irvin D. Yalom, é uma interessante introdução aos seus
principais livros. Quase todos os livros apresentados tem tradução para o
português e podem ser encontrados facilmente nas livrarias.
Olá Anderson. Belo blogue!
ResponderExcluirSou fã de Irvin D. Yalom. Falta-me ler apenas um livro dele (dos publicados em Portugal). O único livro que decepcionou-me foi 'Chamem a Polícia'. Achei-o fraco.
http://bit.ly/1nhwQEK