segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

O Bom Soldado

O Bom Soldado (Alfaguarra/Objetiva, 2009), escrito pelo britânico Ford Madox Ford é considerado um dos maiores clássicos da literatura do século XX. O livro é mais conhecido pela inovação do chamado “narrador não confiável”, onde a história é narrada em primeira pessoa por um dos personagens e este faz uma descrição dos outros personagens que vai mudando no decorrer dos capítulos, causando uma sensação de estranheza e curiosidade que vai prendendo a atenção do leitor.

Na história conhecemos o narrador John Dowell e sua esposa Florence, americanos ricos que fazem uma viagem à França, onde conhecem o ex-Capitão do Exército Britânico  Edward Ashburnham (o bom soldado do título) e sua esposa Leonora, um perfeito cavalheiro britânico casado com a perfeita dama da sociedade, o casal modelo da Europa tradicional e o casal modelo da América moderna e rica. Conforme a narrativa avança, descobrimos que o perfeito casal britânico não é tão perfeito assim e que Edward é na verdade um homem mulherengo e viciado em jogos, afundando em dívidas que ameaçam cada vez mais seu patrimônio. Enquanto isso John percebe que seu casamento também não é o que parece e que este quarteto guarda segredos que ele talvez preferisse não saber.

Ford Madox Ford
Seria apenas mais uma história de amor e traição se não fosse a maneira peculiar como é contada. No início o narrador descreve Edward Ashburnham como um homem de moral inabalável e sua esposa Leonora Ashburnham como uma verdadeira megera. No decorrer da história o narrador nos causa estranhamento ao voltar diversas no tempo, recontar fatos sob o ponto de vista de outros personagens, transformando Edward em um degenerado e sua esposa em uma vítima infeliz, para logo em seguida, em uma nova reviravolta narrativa, redimir todos de seus pecados. Outro personagem que tem sua personalidade posta em dúvida pelo narrador é sua própria esposa, Florence Dowell, cuja honestidade também se transforma de acordo com o capítulo, o que começa a deixar em cheque nossa percepção sobre a versão da história do próprio narrador em si.


Tenho consciência de que contei esta história de um jeito muito desconexo, de forma que pode ser difícil para qualquer um encontrar seu rumo em meio ao que pode ser uma espécie de labirinto. Não pude evitar. Fiquei preso à minha idéia de estar em um chalé de alta classe com um ouvinte silencioso, que escuta entre as rajadas de vento, entre os ruídos do mar distante, a história como ela vem. E quando alguém discute um caso, um longo e triste caso, vai para trás, vai para a frente. A pessoa se lembra de pontos que havia esquecido e os explica com mais minúcias quando reconhece que esqueceu de mencioná-los em seus devidos lugares e que, ao omiti-los, podia ter dado uma falsa impressão. Eu me consolo a pensar que isto é uma história real e que, afinal de contas, histórias reais são provavelmente mais bem contadas da forma que a pessoa que conta a história a contaria. Elas então parecem mais reais.



Vejo este livro como um alerta para o fato de que nem sempre as aparências são um reflexo do que cada um guarda dentro de si, e que às vezes guardamos desejos e segredos que seriam reprováveis aos olhos da sociedade (que também sofre das mesmas falhas, diga-se de passagem). A história dos casais Dowell e Ashburnham retrata as entranhas de muitos casais em qualquer parte do mundo; pessoas vivendo sob as pressões constantes e às vezes insuportáveis entre os compromissos assumidos aos olhos da sociedade e desejos inconfessáveis. O resultado nestes casos quase sempre varia entre uma vida infeliz de um casamento de aparências e uma vida secreta de adultério que pode terminar em ruptura e escândalo. A eterna luta humana em conciliar seus desejos com os padrões sociais em constante mudança.



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