quarta-feira, 20 de maio de 2015

Por Que as Nações Fracassam – As origens do poder, da prosperidade e da pobreza, de Daron Acemoglu & James Robinson

Por Que as Nações Fracassam (Elsevier, 2012), do economista turco Daron Acemoglu e do economista e cientista político britânico James Robinson, é um livro fascinante que apresenta uma teoria bem original para tentar explicar o desenvolvimento e o subdesenvolvimento das nações ao redor do mundo. Diferentemente do senso comum brasileiro e seu viés marxista, que tenta explicar a pobreza das nações subdesenvolvidas com base em fatores como o “passado colonial”, “imperialismo”, “luta de classes”, “mais valia”, “divisão internacional do trabalho”, “exploração capitalista”, “cultura”, “clima” e outras baboseiras, os autores identificaram o fator crucial para a prosperidade ou a pobreza de uma nação: o conjunto de suas instituições políticas e econômicas, que podem ser inclusivas ou extrativistas. Esta diferença é fundamental para se entender o sucesso ou fracasso de uma nação, como é mostrado em vários exemplos mundo afora no decorrer da leitura do livro.

Instituições políticas inclusivas são aquelas que permitem a participação de amplos segmentos da sociedade nas decisões de governo, e a pluralidade impede a hegemonia dos interesses de uma elite. As instituições econômicas inclusivas são aquelas que criam um ambiente favorável à criação de riqueza, com o respeito à propriedade privada, carga tributária simples e justa que não inviabilize a atividade econômica, livre concorrência e outros incentivos à inovação e ao livre empreendimento. Por outro lado, as instituições políticas extrativistas são aquelas que impedem a participação política de amplos segmentos da sociedade e as decisões de governo são exclusivas de um ditador e seus seguidores ou de uma elite entranhada no poder, sem o pluralismo que traz limites ao poder estabelecido e impede seus abusos. As instituições econômicas extrativistas são aquelas controladas por uma elite econômica que através de monopólios e protecionismo, impedem a livre concorrência, impossibilitando o livre empreendimento e a inovação advinda da destruição criativa, além de criarem restrições à propriedade privada.

James Robinson & Daron Acemoglu
Ao contrario do que diz o senso comum, fatores como a geografia, passado colonial e a cultura são importantes, mas não decisivos no sucesso ou fracasso de um país: o fator decisivo é sempre o conjunto de instituições adotadas, que dependem da contingência histórica de cada nação. Um exemplo marcante é o das Coréias: países com geografia, passado colonial e cultura em comum, mas que divididos pela contingência histórica da Guerra Fria, tiveram desenvolvimento político e econômico muito diferente. Enquanto a Coréia do Sul acabou adotando um regime democrático e economia capitalista de livre mercado, tornando-se desenvolvida e rica, a Coréia do Norte foi dominada por uma ditadura socialista que implantou uma economia planificada e condenou sua população à miséria e ao terror.

Interessantes também são os capítulos sobre os círculos virtuosos e viciosos. Países com instituições inclusivas tendem a reforçar estas instituições, pois nestes há pesos e contrapesos que impedem a hegemonia de um segmento da sociedade e o abuso do poder. Já nos países onde há instituições extrativistas, estas infelizmente tendem a reforçar seu domínio e a exploração. É a chamada Lei de Ferro da Oligarquia, em que mesmo a derrubada de uma elite do poder não necessariamente leva à prosperidade e a criação de instituições políticas e econômicas inclusivas: uma nova elite pode se aproveitar das instituições extrativistas existentes e ampliar a exploração, como ocorreu na maioria dos países africanos, em que após a independência, regimes brutais causaram ainda mais miséria e exploração que as antigas metrópoles.


Mas segundo os autores, apesar de difícil, não é impossível para um país derrubar suas instituições extrativistas: a contingência histórica sempre pode proporcionar as oportunidades para que instituições inclusivas tenham a sua vez. Países com instituições econômicas extrativistas podem até ter um surto de crescimento econômico, como no caso da Alemanha Nazista e da União Soviética no passado e da China atualmente, mas este não se dá de forma sustentável e mais cedo ou mais tarde terá um fim. No caso chinês, cujo vertiginoso crescimento econômico das últimas décadas se deu após a adoção de instituições econômicas inclusivas na década de 70, o crescimento no futuro dependerá da derrubada de suas instituições políticas extrativistas para continuar se desenvolvendo de forma sustentável. Esta é a grande lição deste livro fantástico, que nos deixa a esperança de um futuro melhor para a humanidade e para os bilhões de pessoas que ainda sofrem com a tirania e o subdesenvolvimento causados pelas instituições extrativistas.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Submissão, de Michel Houellebecq

Submissão, do escritor francês Michel Houellebecq (Alfaguara, 2015) não é mais um livro erótico para mulheres da onda que se seguiu à publicação da trilogia 50 Tons de Cinza. É uma sátira política sobre a França no futuro próximo (ano de 2022), em que o candidato muçulmano Mohammed Ben Abbes, do fictício partido Fraternidade Muçulmana, ganha as eleições presidenciais se aproveitando da total descrença e apatia da população com a política francesa, dominada nas últimas décadas pela disputa centro esquerda/centro direita. Com fama de moderado, fala mansa, conciliador e muito carismático, Ben Abbes consegue uma ampla coalizão entre os partidos de esquerda e centro direita, e impõe uma vitória histórica no segundo turno das eleições sobre o partido de ultradireita Frente Nacional, de Marine Le Pen. O que se segue então é uma lenta e constante mudança nas leis e a erosão dos valores ocidentais com o fim de acomodar a lei islâmica da Sharia nos corações e mentes do povo francês. São permitidas escolas e universidades laicas, mas as instituições de ensino públicas se tornam islâmicas e separadas por sexo; mulheres são incentivadas a usar véus e a deixar de trabalhar; é autorizada a poligamia; incentivos econômicos são retirados da indústria e realocados para o artesanato familiar; judeus são discriminados e começam a deixar o país; entre outras mudanças culturais e econômicas. Sob a covarde subserviência dos políticos e intelectuais, os valores ocidentais vão sendo dilapidados e, quando todos se dão conta, um estado teocrático é instalado sem que seja preciso ser derramada uma gota de sangue sequer na jihad. Melhoras nos indicadores econômicos – com a saída das mulheres do mercado de trabalho o desemprego despenca – e a redução nos índices de violência fazem com que os franceses assistam passivamente à destruição de sua cultura.

Michel Houellebecq
Neste pano de fundo político, acompanhamos François, um professor universitário amargo e solitário, totalmente desiludido com a vida e o amor. Totalmente apático e alheio às mudanças históricas que acontecem ao seu redor, ele passa os dias entre um relacionamento ocasional e outro, tentando se adequar aos novos tempos, quando recebe uma oferta tentadora do novo regime, mas que o põe em conflito com suas poucas convicções e valores restantes. Ele é o típico cidadão do ocidente rico e próspero: herdeiro da civilização ocidental e beneficiário do welfare state europeu, mas totalmente anestesiado pela cultura da estupidez e indiferente à luta política em torno dos valores que ditarão os rumos de seu país e do mundo civilizado. A submissão não se dá pela força, mas sim, pela preguiça, indiferença e o vazio existencial de uma sociedade que acredita que todos os direitos e liberdades estão consolidados e não sofrem o menor risco de desaparecer.


Capa do satírico Charlie Hebdo com Michel Houelebecq
Pessoas reais como François Hollande, Nicolas Sarkozy, Luc Ferry, Marine Le Pen e outros, convivem com o fictício Mohammed Ben Abbes, neste ótimo livro que, apesar de se passar no futuro próximo, fala sobre o nosso tempo; sobre os perigos tão negligenciados do fundamentalismo religioso e do relativismo cultural, que estão pondo em risco os valores e instituições fundamentais tão caros ao ocidente, como o estado democrático de direito, a liberdade de expressão, a igualdade entre os sexos e os direitos humanos, sob o pretexto da tolerância e do multiculturalismo. Hoje cartunistas são ameaçados de morte na Dinamarca; outros foram assassinados na sede do satírico Charlie Hebdo – do qual Michel Houellebecq era capa no dia do atentado – ocorrido na própria França; uma tentativa frustrada de atentado terrorista durante uma mostra de cartoons nos Estados Unidos; poligamia; mutilações e casamentos forçados de meninas que são obrigadas a usar a burka para sair na rua em plena Europa democrática; são apenas alguns exemplos de ataques diretos contra a liberdade de expressão e os direitos humanos que ocorrem todos os dias no seio do ocidente, com a total omissão, e, às vezes, até o apoio de intelectuais e líderes políticos ocidentais. Resumindo em uma palavra: submissão.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

A Vida na Sarjeta – O Círculo Vicioso da Miséria Moral, de Theodore Dalrymple

Theodore Dalrymple é o pseudônimo do médico psiquiatra britânico Anthony Daniels, que está sendo chamado pela crítica de “o novo George Orwell”. Neste livro ele escreve sobre a violência e a pobreza na underclass britânica – aqui traduzida como subclasse –, criminosos, viciados, mendigos, e outros homens e mulheres desempregados e sem qualificação, vivendo miseravelmente à margem da sociedade. Mas diferente de outros autores, Dalrymple não cai nas explicações fáceis do senso comum e nas justificativas progressistas que normalmente acompanham o tema e o explicam pela simples associação entre a pobreza e a violência, e tudo resumem à luta de classes, discriminação e exploração capitalista. Ele nos mostra que na verdade a pobreza não é o fator preponderante na explicação do fenômeno da violência; que pior que ela são a impunidade e a destruição de valores fundamentais à civilização e ao bom convívio social. Com a bagagem de quem trabalhou mais de vinte anos em uma prisão e num hospital localizado em uma das áreas mais pobres da Inglaterra, ele nos explica que muito mais que fatores econômicos, a raiz do problema está nas ideias amplamente disseminadas por intelectuais, artistas e políticos progressistas da vitimização e do relativismo moral, que retiram a responsabilidade individual e põe toda a culpa na sociedade.

Theodore Dalrymple
Os casos de violência descritos no livro, relatados com extrema crueza por Dalrymple, certamente deixariam intrigados os intelectuais brasileiros, que tem o irritante hábito de explicar a violência jogando tudo na conta do capitalismo, luta de classes, racismo, favelização, violência policial, e, principalmente, na ineficiência do governo, que falha na entrega de serviços públicos como educação, saúde e moradia dignas e de qualidade, e que serve apenas às classes mais abastadas da sociedade. Os pacientes dele em sua maioria são brancos, desfrutam de todos os benefícios do welfare state europeu e tem garantidos moradia e suporte financeiro do governo, e por viverem em um dos países mais ricos do mundo, não podem reclamar de falta de acesso à educação, segurança e saúde de qualidade. Então por que há tantos viciados em drogas, assaltos e violência contra a mulher da Inglaterra de Dalrymple? Resposta: observe o que os intelectuais, artistas e políticos progressistas estão fazendo à sociedade. O fenômeno é universal.

Vivemos em uma época estranha de relativismo moral, em que é cada vez mais disseminada a ideia de que a culpa pelas transgressões individuais são da coletividade. Alguém comete um crime, seja um assalto ou um homicídio? A da culpa é da sociedade pela falta de oportunidades que o levou a cometer este ato de “desespero”; não dele, que o cometeu conscientemente. O viciado em drogas que está perecendo em um casebre imundo em condições inumanas de insalubridade? A culpa é da sociedade que criminaliza as drogas e discrimina o usuário; não da opção consciente dele pelo prazer temporário do uso de uma substância que sabidamente é tóxica e causa dependência. E a mulher jovem, mas que já teve vários filhos de diferentes pais e foi espancada por todos eles? Novamente a culpa é da sociedade que não dá educação; não da mulher que buscou o prazer fácil e irresponsável com homens violentos, muito menos de seus companheiros que a agrediram de forma covarde e impune. E a solução para estes e muitos outros casos? Segundo a intelligentsia: menos prisões, liberação de todas as drogas, sexo e prazer sem limites; e quando a violência, o vício, a doença e os filhos ilegítimos sem pais e mães baterem à nossa porta, é só o governo resolver tudo com mais auxílios!

A vida quase nunca é fácil e o mundo não é de forma alguma um lugar justo, mas se não assumirmos a responsabilidade por nossas decisões e acharmos que somos apenas vítimas passivas de uma sociedade cruel, nunca iremos prosperar. O ambiente cultural em que vivemos nos diz o tempo todo que podemos tudo e temos direito a tudo; que ser o mais esperto e se dar bem em tudo é um ideal – vejam os heróis dos filmes, novelas e livros! –; que coisas como a cortesia, o amor e a arte são cafonas e ultrapassados; e que o governo tem que resolver todos os nossos problemas. Estas ideias estão destruindo a civilização e afogando as pessoas em miséria – econômica, moral e cultural – e violência. Como diz o próprio Theodore Dalrymple ao final de sua introdução:


Nos textos a seguir tentei, primeiramente, descrever sem disfarces a realidade da subclasse e, então, revelar a origem desta realidade, que é a propagação de ideias más, insignificantes e insinceras. Não é necessário dizer que uma avaliação verdadeira das causas da miséria da subclasse é proveitosa, caso decidamos combatê-las e, principalmente, evitar soluções que só agravarão esse cenário. Se traço um quadro de um estilo de vida que é totalmente sem encanto ou mérito, e descrevo muitas pessoas pouquíssimo atraentes, é importante lembrarmo-nos de que, caso haja culpa, uma grande parte é devida aos intelectuais. Não deveriam ter sido tão tolos, mas sempre preferiram evitar-lhes o olhar. Consideraram a pureza das ideias mais importante que as reais consequências. Desconheço egotismo mais profundo.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

The Velvet Underground – Sweet jane

The Velvet Underground
Se você já passou dos 30, muito provavelmente as crianças e adolescentes lhe chamam de senhor/senhora, já não tem mais a mesma disposição para exercícios físicos de quando era mais jovem e anda incomodado com aquela barriguinha inchada – ou está lutando contra ela. Você já não é mais nenhum garoto/garota, fica recorrentemente lembrando o passado e provavelmente se arrepende de algumas coisas que não fez ou sente muitas saudades de coisas que costumava fazer.
Para você eu deixo a fantástica canção Sweet Jane, da banda americana The Velvet Underground. Formada em 1964 e eleita uma das bandas mais influentes de todos os tempos (19ª) pela revista Rolling Stones, era liderada pelo lendário Lou Reed, morto em 2013. Indo ao trabalho de carro ou correndo com meu MP3 Player, acho que ouço esta canção pelo menos umas dez vezes por dia.

Capa do disco "Loaded"

Sweet Jane
The Velvet Underground

Standing on the corner,
suitcase in my hand
Jack is in his corset, and Jane is in her vest,
And me, I'm in a rock 'n'roll band, Hah!
Ridin' in a Stutz Bear Cat, Jim
You know, those were different times!
Oh, all the poets they studied rules of verse
And those ladies they rolled their eyes

Sweet Jane! Whoa! Sweet Jane, oh-oh-a! Sweet Jane!

I'll tell you something
Jack, he is a banker
And Jane, she is a clerk
Both of them save their monies
And when, when they come home from work
Oh, Sittin' down by the fire, oh!
The radio does play
A little classical music there, Jim
"The March of the Wooden Soldiers"
All you protest kids
You can hear Jack say, get ready

Sweet Jane! Come on baby! Sweet Jane! Oh-oh-a! Sweet Jane!

Some people, they like to go out dancing
And other peoples, they have to work, Just watch me now!
And there's even some evil mothers
Well they're gonna tell you that everything is just dirt
You know that, women, never really faint
And that villains always blink their eyes, woo!
That children are the only ones who blush!
And that, life is just to die!
And, everyone who ever had a heart
They wouldn't turn around and break it
And anyone who ever played a part
They wouldn't turn around and hate it!

Sweet Jane! Whoa-oh-oh! Sweet Jane! Sweet Jane!

Heavenly wine and roses
Seems to whisper to her when he smiles
Heavenly wine and roses
Seems to whisper to her when she smiles
La lala lala la, la lala lala la
Sweet Jane
Sweet Jane
Sweet Jane



Doce Jane
The Velvet Underground

Parado numa esquina,
maleta em minhas mãos
Jack de espartilho e Jane de colete
E eu, eu estou numa banda de rock 'n' roll, Hah!
Passeando num Stutz Bear Cat, Jim
Você sabe, aqueles eram outros tempos!
Oh, todos os poetas estudaram regras de versos
E as garotas reviravam os olhos

Doce Jane! Whoa! Doce Jane, oh-oh-a! Doce Jane!

Vou te dizer uma coisa
Jack trabalha em um banco
E Jane, num escritório
Ambos economizam dinheiro
E quando chegam em casa do trabalho
Sentados perto do fogo, oh!
O rádio toca
Uma musiquinha clássica, Jim
“A marcha dos soldados de madeira”
E vocês, garotos rebeldes
podem ouvir Jack dizendo, prepare-se, ah

Doce Jane! venha baby! Doce Jane! Oh-oh-a! Doce Jane!

Algumas pessoas gostam de sair pra dançar
E outras têm que trabalhar, olhe para mim agora!
E há sempre algumas mães malvadas
Bem, elas lhe dirão que tudo isso é apenas porcaria
Você sabe que as mulheres, nunca desmaiam de verdade
E aqueles vilões sempre piscam os olhos, woo!
que as crianças são as únicas que coram!
E que a vida é só morrer!
Mas todos que tiveram um coração
não se virariam para parti-lo
E qualquer um que já fez um papel
Não se voltaria para odiá-lo.

 Doce Jane! Whoa-oh-oh! Doce Jane! Doce Jane!

Vinhos e rosas celestiais
Parecem sussurrar para ela quando sorri
Vinhos e rosas celestiais
Parecem sussurrar para ela quando sorri
La lala lala la, la lala lala la
Doce Jane
Doce Jane
Doce Jane

John Wayne e Maureen Ohara em um "Stutz Bear Cat".