quarta-feira, 6 de maio de 2015

Submissão, de Michel Houellebecq

Submissão, do escritor francês Michel Houellebecq (Alfaguara, 2015) não é mais um livro erótico para mulheres da onda que se seguiu à publicação da trilogia 50 Tons de Cinza. É uma sátira política sobre a França no futuro próximo (ano de 2022), em que o candidato muçulmano Mohammed Ben Abbes, do fictício partido Fraternidade Muçulmana, ganha as eleições presidenciais se aproveitando da total descrença e apatia da população com a política francesa, dominada nas últimas décadas pela disputa centro esquerda/centro direita. Com fama de moderado, fala mansa, conciliador e muito carismático, Ben Abbes consegue uma ampla coalizão entre os partidos de esquerda e centro direita, e impõe uma vitória histórica no segundo turno das eleições sobre o partido de ultradireita Frente Nacional, de Marine Le Pen. O que se segue então é uma lenta e constante mudança nas leis e a erosão dos valores ocidentais com o fim de acomodar a lei islâmica da Sharia nos corações e mentes do povo francês. São permitidas escolas e universidades laicas, mas as instituições de ensino públicas se tornam islâmicas e separadas por sexo; mulheres são incentivadas a usar véus e a deixar de trabalhar; é autorizada a poligamia; incentivos econômicos são retirados da indústria e realocados para o artesanato familiar; judeus são discriminados e começam a deixar o país; entre outras mudanças culturais e econômicas. Sob a covarde subserviência dos políticos e intelectuais, os valores ocidentais vão sendo dilapidados e, quando todos se dão conta, um estado teocrático é instalado sem que seja preciso ser derramada uma gota de sangue sequer na jihad. Melhoras nos indicadores econômicos – com a saída das mulheres do mercado de trabalho o desemprego despenca – e a redução nos índices de violência fazem com que os franceses assistam passivamente à destruição de sua cultura.

Michel Houellebecq
Neste pano de fundo político, acompanhamos François, um professor universitário amargo e solitário, totalmente desiludido com a vida e o amor. Totalmente apático e alheio às mudanças históricas que acontecem ao seu redor, ele passa os dias entre um relacionamento ocasional e outro, tentando se adequar aos novos tempos, quando recebe uma oferta tentadora do novo regime, mas que o põe em conflito com suas poucas convicções e valores restantes. Ele é o típico cidadão do ocidente rico e próspero: herdeiro da civilização ocidental e beneficiário do welfare state europeu, mas totalmente anestesiado pela cultura da estupidez e indiferente à luta política em torno dos valores que ditarão os rumos de seu país e do mundo civilizado. A submissão não se dá pela força, mas sim, pela preguiça, indiferença e o vazio existencial de uma sociedade que acredita que todos os direitos e liberdades estão consolidados e não sofrem o menor risco de desaparecer.


Capa do satírico Charlie Hebdo com Michel Houelebecq
Pessoas reais como François Hollande, Nicolas Sarkozy, Luc Ferry, Marine Le Pen e outros, convivem com o fictício Mohammed Ben Abbes, neste ótimo livro que, apesar de se passar no futuro próximo, fala sobre o nosso tempo; sobre os perigos tão negligenciados do fundamentalismo religioso e do relativismo cultural, que estão pondo em risco os valores e instituições fundamentais tão caros ao ocidente, como o estado democrático de direito, a liberdade de expressão, a igualdade entre os sexos e os direitos humanos, sob o pretexto da tolerância e do multiculturalismo. Hoje cartunistas são ameaçados de morte na Dinamarca; outros foram assassinados na sede do satírico Charlie Hebdo – do qual Michel Houellebecq era capa no dia do atentado – ocorrido na própria França; uma tentativa frustrada de atentado terrorista durante uma mostra de cartoons nos Estados Unidos; poligamia; mutilações e casamentos forçados de meninas que são obrigadas a usar a burka para sair na rua em plena Europa democrática; são apenas alguns exemplos de ataques diretos contra a liberdade de expressão e os direitos humanos que ocorrem todos os dias no seio do ocidente, com a total omissão, e, às vezes, até o apoio de intelectuais e líderes políticos ocidentais. Resumindo em uma palavra: submissão.

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