Theodore Dalrymple é o pseudônimo
do médico psiquiatra britânico Anthony Daniels, que está sendo chamado pela
crítica de “o novo George Orwell”. Neste livro ele escreve sobre a violência e
a pobreza na underclass britânica –
aqui traduzida como subclasse –,
criminosos, viciados, mendigos, e outros homens e mulheres desempregados e sem
qualificação, vivendo miseravelmente à margem da sociedade. Mas diferente de
outros autores, Dalrymple não cai nas explicações fáceis do senso comum e nas
justificativas progressistas que normalmente acompanham o tema e o explicam
pela simples associação entre a pobreza e a violência, e tudo resumem à luta de
classes, discriminação e exploração capitalista. Ele nos mostra que na verdade
a pobreza não é o fator preponderante na explicação do fenômeno da violência;
que pior que ela são a impunidade e a destruição de valores fundamentais à
civilização e ao bom convívio social. Com a bagagem de quem trabalhou mais de
vinte anos em uma prisão e num hospital localizado em uma das áreas mais pobres
da Inglaterra, ele nos explica que muito mais que fatores econômicos, a raiz do
problema está nas ideias amplamente disseminadas por intelectuais, artistas e
políticos progressistas da vitimização e do relativismo moral, que retiram a
responsabilidade individual e põe toda a culpa na sociedade.
Theodore Dalrymple |
Os casos de violência descritos
no livro, relatados com extrema crueza por Dalrymple, certamente deixariam
intrigados os intelectuais brasileiros, que tem o irritante hábito de explicar a
violência jogando tudo na conta do capitalismo, luta de classes, racismo,
favelização, violência policial, e, principalmente, na ineficiência do governo,
que falha na entrega de serviços públicos como educação, saúde e moradia dignas
e de qualidade, e que serve apenas às classes mais abastadas da sociedade. Os
pacientes dele em sua maioria são brancos, desfrutam de todos os benefícios do welfare state europeu e tem garantidos
moradia e suporte financeiro do governo, e por viverem em um dos países mais
ricos do mundo, não podem reclamar de falta de acesso à educação, segurança e
saúde de qualidade. Então por que há tantos viciados em drogas, assaltos e
violência contra a mulher da Inglaterra de Dalrymple? Resposta: observe o que
os intelectuais, artistas e políticos progressistas estão fazendo à sociedade.
O fenômeno é universal.
Vivemos em uma época estranha de
relativismo moral, em que é cada vez mais disseminada a ideia de que a culpa
pelas transgressões individuais são da coletividade. Alguém comete um crime,
seja um assalto ou um homicídio? A da culpa é da sociedade pela falta de
oportunidades que o levou a cometer este ato de “desespero”; não dele, que o cometeu
conscientemente. O viciado em drogas que está perecendo em um casebre imundo em
condições inumanas de insalubridade? A culpa é da sociedade que criminaliza as
drogas e discrimina o usuário; não da opção consciente dele pelo prazer
temporário do uso de uma substância que sabidamente é tóxica e causa
dependência. E a mulher jovem, mas que já teve vários filhos de diferentes pais
e foi espancada por todos eles? Novamente a culpa é da sociedade que não dá
educação; não da mulher que buscou o prazer fácil e irresponsável com homens
violentos, muito menos de seus companheiros que a agrediram de forma covarde e
impune. E a solução para estes e muitos outros casos? Segundo a intelligentsia: menos prisões, liberação
de todas as drogas, sexo e prazer sem limites; e quando a violência, o vício, a
doença e os filhos ilegítimos sem pais e mães baterem à nossa porta, é só o
governo resolver tudo com mais auxílios!
A vida quase nunca é fácil e o mundo
não é de forma alguma um lugar justo, mas se não assumirmos a responsabilidade
por nossas decisões e acharmos que somos apenas vítimas passivas de uma
sociedade cruel, nunca iremos prosperar. O ambiente cultural em que vivemos nos
diz o tempo todo que podemos tudo e temos direito a tudo; que ser o mais
esperto e se dar bem em tudo é um ideal – vejam os heróis dos filmes, novelas e
livros! –; que coisas como a cortesia, o amor e a arte são cafonas e
ultrapassados; e que o governo tem que resolver todos os nossos problemas.
Estas ideias estão destruindo a civilização e afogando as pessoas em miséria –
econômica, moral e cultural – e violência. Como diz o próprio Theodore
Dalrymple ao final de sua introdução:
Nos textos a seguir tentei, primeiramente,
descrever sem disfarces a realidade da subclasse e, então, revelar a origem
desta realidade, que é a propagação de ideias más, insignificantes e
insinceras. Não é necessário dizer que uma avaliação verdadeira das causas da
miséria da subclasse é proveitosa, caso decidamos combatê-las e,
principalmente, evitar soluções que só agravarão esse cenário. Se traço um
quadro de um estilo de vida que é totalmente sem encanto ou mérito, e descrevo
muitas pessoas pouquíssimo atraentes, é importante lembrarmo-nos de que, caso
haja culpa, uma grande parte é devida aos intelectuais. Não deveriam ter sido
tão tolos, mas sempre preferiram evitar-lhes o olhar. Consideraram a pureza das
ideias mais importante que as reais consequências. Desconheço egotismo mais
profundo.
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