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sexta-feira, 1 de julho de 2016

El Engaño Populista, de Axel Kaiser e Gloria Álvarez

É sabido que o inferno é o lar das boas intenções, mas a realidade é que este lugar quente e miserável – como nossa América Latina – está repleto mesmo daqueles que posam de abnegados e vociferam boas intenções em público, mas praticam atos demoníacos nas sombras do privado – nosso querido continente novamente. É a onipresente hipocrisia, que transportada para a política podemos chamar de populismo. El Engaño Populista: por qué se arruinan nuestros países y cómo rescatarlos (Deuso, Espanha, 2016), de Axel Kaiser e Gloria Álvarez, é um livro sobre o fenômeno do populismo, esta forma de governar que assola a América Latina há décadas, tem raízes profundas em nossa cultura e é o maior responsável pelo atraso dos países da nossa região. É o livro de estreia da cientista política guatemalteca Gloria Álvarez, crítica ferrenha do populismo em nosso continente, que ficou famosa após seu discurso no Parlamento Iberoamericano da Juventude, em Zaragoza, se tornar viral no YouTube com milhões de visualizações. Ela divide a autoria com o chileno Axel Kaiser, escritor liberal membro da Fundación para el Progreso, uma think tank do Chile que dissemina ideias liberais neste país.

Gloria Álvarez
O populismo é a forma de governar típica dos caudilhos carismáticos, que utilizando sempre o discurso de agir em nome e benefício do povo, em especial dos mais pobres, usam e abusam de todos os meios disponíveis – institucionais e autoritários – para se manterem no poder e beneficiarem a si próprios e seus aliados. Para isso, dividem a sociedade entre “povo” – do qual alegam fazer parte e serem os únicos e legítimos representantes – e “anti-povo” – todos aqueles que discordam de suas ideias, não pertencem ao partido ou grupo e são concorrentes ou opositores –, ou seja, em nós contra eles. Valendo-se de um suposto monopólio das virtudes e das boas intenções construído no imaginário popular, subvertem as instituições do Estado, seja de forma democrática ou autoritária, a fim de se perpetuarem no poder através do controle dos poderes Judiciário e Legislativo, ataques à imprensa livre, fraudes nas eleições, intimidações e calúnias a opositores, muita corrupção, entre outros subterfúgios. Já bem estabelecidos no poder, impõem políticas que violam as liberdades econômicas e individuais e invariavelmente acabam levando ao colapso econômico e social, aumentando ainda mais a miséria e o atraso em seus países. No momento em que isto acontece, usam do carisma, dos intelectuais e artistas cúmplices, e do controle dos meios de comunicação para pôr a culpa no anti-povo, o inimigo interno ou externo de sempre, que pode ser alguma potência estrangeira, a CIA, as elites, a oposição ou qualquer outro espantalho criado pelo regime, cuja ação conspiratória explicará o fracasso das medidas do governo. Isto justifica um aumento ainda maior das intervenções do Estado na economia e a supressão das liberdades individuais dos cidadãos, de forma cada vez mais autoritária. O exemplo mais dramático é o da Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro, cujo regime levou o país ao caos econômico, e onde imperam as perseguições políticas, a repressão à mídia livre e os ataques à liberdade de expressão, cujo resultado foi a corrupção institucionalizada e o aumento da violência e da pobreza.

Axel Kaiser
Os novos governantes populistas da América Latina são herdeiros intelectuais do famigerado Foro de São Paulo, seminário criado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil em 1990 e que ainda se reúne a cada dois anos até hoje, e é frequentado por partidos e organizações de esquerda do continente – incluindo grupos guerrilheiros como as FARC. Nestas reuniões são traçadas as estratégias para a chegada e a manutenção no poder destes grupos em seus respectivos países, as diretrizes ideológicas e a colaboração entre as nações ideologicamente alinhadas ao socialismo/comunismo. A criação do Foro foi uma consequência direta da queda do Muro de Berlin e da derrocada do comunismo nos países que compunham a antiga União Soviética. A intenção do seminário foi o estabelecimento do novo norte ideológico para os partidos comunistas/socialistas da América Latina em Cuba, após a perda da referência que era a URSS. Entre os países governados por populistas alinhados ao Foro de São Paulo, podemos destacar, além da Venezuela, a Argentina dos Kirchner, o Equador de Rafael Correa, a Bolívia de Evo Morales, o Chile de Michelle Bachelet e o Brasil de Lula e Dilma Roussef, para ficar apenas naqueles onde esta ideologia está mais bem estabelecida. Muito além de se estabelecerem no poder, estes governantes lograram êxito em estabelecer uma hegemonia cultural do populismo de esquerda, que permeia toda a sociedade e está incrustada na política, na arte, nas escolas, universidades e meios de comunicação.

Como único meio eficaz de combater o populismo, os autores alertam para a necessidade urgente da disseminação das ideias liberais através das redes sociais, fundações, vídeos, publicação de livros e quaisquer outros meios de divulgação, como forma de conscientizar a população e desta forma quebrar a hegemonia desta ideologia em nosso continente. É necessário espalhar os ideais libertários que levaram à prosperidade tantos países do mundo, além de denunciar as ideias socialistas e a utopia do comunismo, que tanta morte, fome, pobreza e escravidão trouxeram a todos que tentaram adotá-la.  Derrotar o populismo não é eleger os líderes políticos certos que vão liderar nossos países rumo à prosperidade: políticos apenas seguem a ideologia da moda, e atualmente ela é o populismo de esquerda. Portanto, é necessário lutar contra a doutrinação ideológica que a esquerda populista vem realizando há décadas através da infiltração silenciosa no meio artístico, nos meios de comunicação e no ensino em nossas escolas e universidades. Somente vencendo esta batalha ideológica o populismo poderá ser definitivamente derrotado e poderemos ter verdadeiras repúblicas em nosso continente: prósperas, sem miséria e verdadeiramente democráticas e livres.

O livro (em espanhol) está na pré-venda na Amazon.com.br e já pode ser baixado na versão Kindle por R$ 36,08. Ele também pode ser encomendado no site da Amazon.com.es. Ainda não há notícia de nenhuma editora anunciando a sua publicação no Brasil.


Discurso da autora Gloria Álvarez sobre o populismo no Parlamento Iberoamericano da Juventude:



quarta-feira, 6 de maio de 2015

Submissão, de Michel Houellebecq

Submissão, do escritor francês Michel Houellebecq (Alfaguara, 2015) não é mais um livro erótico para mulheres da onda que se seguiu à publicação da trilogia 50 Tons de Cinza. É uma sátira política sobre a França no futuro próximo (ano de 2022), em que o candidato muçulmano Mohammed Ben Abbes, do fictício partido Fraternidade Muçulmana, ganha as eleições presidenciais se aproveitando da total descrença e apatia da população com a política francesa, dominada nas últimas décadas pela disputa centro esquerda/centro direita. Com fama de moderado, fala mansa, conciliador e muito carismático, Ben Abbes consegue uma ampla coalizão entre os partidos de esquerda e centro direita, e impõe uma vitória histórica no segundo turno das eleições sobre o partido de ultradireita Frente Nacional, de Marine Le Pen. O que se segue então é uma lenta e constante mudança nas leis e a erosão dos valores ocidentais com o fim de acomodar a lei islâmica da Sharia nos corações e mentes do povo francês. São permitidas escolas e universidades laicas, mas as instituições de ensino públicas se tornam islâmicas e separadas por sexo; mulheres são incentivadas a usar véus e a deixar de trabalhar; é autorizada a poligamia; incentivos econômicos são retirados da indústria e realocados para o artesanato familiar; judeus são discriminados e começam a deixar o país; entre outras mudanças culturais e econômicas. Sob a covarde subserviência dos políticos e intelectuais, os valores ocidentais vão sendo dilapidados e, quando todos se dão conta, um estado teocrático é instalado sem que seja preciso ser derramada uma gota de sangue sequer na jihad. Melhoras nos indicadores econômicos – com a saída das mulheres do mercado de trabalho o desemprego despenca – e a redução nos índices de violência fazem com que os franceses assistam passivamente à destruição de sua cultura.

Michel Houellebecq
Neste pano de fundo político, acompanhamos François, um professor universitário amargo e solitário, totalmente desiludido com a vida e o amor. Totalmente apático e alheio às mudanças históricas que acontecem ao seu redor, ele passa os dias entre um relacionamento ocasional e outro, tentando se adequar aos novos tempos, quando recebe uma oferta tentadora do novo regime, mas que o põe em conflito com suas poucas convicções e valores restantes. Ele é o típico cidadão do ocidente rico e próspero: herdeiro da civilização ocidental e beneficiário do welfare state europeu, mas totalmente anestesiado pela cultura da estupidez e indiferente à luta política em torno dos valores que ditarão os rumos de seu país e do mundo civilizado. A submissão não se dá pela força, mas sim, pela preguiça, indiferença e o vazio existencial de uma sociedade que acredita que todos os direitos e liberdades estão consolidados e não sofrem o menor risco de desaparecer.


Capa do satírico Charlie Hebdo com Michel Houelebecq
Pessoas reais como François Hollande, Nicolas Sarkozy, Luc Ferry, Marine Le Pen e outros, convivem com o fictício Mohammed Ben Abbes, neste ótimo livro que, apesar de se passar no futuro próximo, fala sobre o nosso tempo; sobre os perigos tão negligenciados do fundamentalismo religioso e do relativismo cultural, que estão pondo em risco os valores e instituições fundamentais tão caros ao ocidente, como o estado democrático de direito, a liberdade de expressão, a igualdade entre os sexos e os direitos humanos, sob o pretexto da tolerância e do multiculturalismo. Hoje cartunistas são ameaçados de morte na Dinamarca; outros foram assassinados na sede do satírico Charlie Hebdo – do qual Michel Houellebecq era capa no dia do atentado – ocorrido na própria França; uma tentativa frustrada de atentado terrorista durante uma mostra de cartoons nos Estados Unidos; poligamia; mutilações e casamentos forçados de meninas que são obrigadas a usar a burka para sair na rua em plena Europa democrática; são apenas alguns exemplos de ataques diretos contra a liberdade de expressão e os direitos humanos que ocorrem todos os dias no seio do ocidente, com a total omissão, e, às vezes, até o apoio de intelectuais e líderes políticos ocidentais. Resumindo em uma palavra: submissão.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Censura de biografias e as liberdades de expressão e informação

Em 2006 o jornalista Paulo Cesar de Araújo publicou o livro “Roberto Carlos em detalhes”, sucesso de público e crítica que foi censurado e retirado das prateleiras após uma ação criminal e outra cível propostas no judiciário pelo cantor. Desde então o assunto da censura às biografias tem sido muito debatido no país. Atualmente há um projetode lei que se arrasta no Congresso Nacional, propondo uma mudança no Código Civil, que atualmente permite a censura à um escritor que escreva uma obra sobre a vida de uma pessoa pública, que pode ser processado civil e criminalmente por ela ou seus herdeiros – oposto ao que ocorre em qualquer país democrático que valha a menção, onde biografias não autorizadas são muito comuns apesar de aborrecerem muita gente. O caso mostra que no Brasil muita gente boa ainda não tolera, não se acostumou ou não sabe o que são a liberdade de expressão e a liberdade de informação.

Capa do livro censurado "Roberto Carlos
em detalhes", que iniciou o maior debate
sobre censura do Brasil
A liberdade de expressão é um dos direitos mais caros a uma democracia e está prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e basicamente é a possibilidade de se expressar sobre qualquer assunto sem a ameaça de represálias. A liberdade de informação é outra que também é prevista nesta declaração e é o direito que qualquer um tem de ter acesso e divulgar qualquer informação de interesse público – por mais bizarra, idiota, inútil ou excêntrica que seja. Elas são vias de mão dupla, e o que muita gente não entende é que elas permitem que se diga e se tenha acesso àquelas coisas com as quais não concordamos e nos deixa furiosos também. Liberdade de expressão e informação não são só os direitos de dizer e ouvir coisas belas e legais que todo mundo – incluindo você – concorda e elogia: o direito de um às vezes é a perda do direito de outro, e para que possamos criticar e nos informar, também temos que nos permitir ser criticados e expostos.

Há um aparente conflito entre a liberdade de expressão e a liberdade de informação com outro direito sagrado: o direito à privacidade. Aqueles que defendem a censura às biografias alegam que elas violam a privacidade quando expõem momentos dolorosos e a intimidade destas pessoas ao público, e que podem provocar danos à imagem do biografado ou de seus familiares e amigos. Mas as coisas não são assim tão simples. Notícias veiculadas na mídia sobre a morte, divórcio, ou doença de uma pessoa pública, ou um crime praticado por ela, também expõem a dor, a intimidade e provocam danos à imagem desta pessoa e de sua família e amigos; o jornalista que publica esta notícia deveria ser censurado e processado então? Pessoas públicas já sofrem várias restrições em sua privacidade devido ao seu próprio modo de vida – a maioria até estimula e lucra com isso – e um biógrafo não revelará muito mais do já é público e notório, e que elas mesmas já revelam diariamente nos meios de comunicação.

O famigerado grupo "Procure Saber"reunido com membros do
Congresso Nacional. O grupo defende a censura prévia de biografias

É claro que a liberdade de expressão não é autorização para a calúnia, injúria ou difamação. Qualquer um que se sentir ofendido tem o direito a procurar o judiciário – favor não confundir o termo com justiça. Aí então vem a alegação de que quando o estrago a uma reputação já está feito, não há volta, e que um processo no judiciário pode se arrastar por anos e não ter a condenação dos culpados. Mas se o poder judiciário brasileiro é incompetente, lento, ineficaz e injusto, este é um outro problema bem diferente; o direito à liberdade de expressão e o direito à informação não podem ser censurados por causa dele. É como querer proibir as pessoas de dirigir automóveis para evitar que aconteçam os acidentes de trânsito, ou proibir a venda de facas para evitar assassinatos; o mau uso não pode servir de justificativa para proibir até mesmo o bom uso.

E finalmente há também o interessante argumento de que os biógrafos ganham dinheiro com suas biografias. É verdade e concordo. Assim como o padre e o pastor são pagos pelas igrejas para celebrar as missas e os cultos, os pintores vendem seus quadros, os cozinheiros são pagos por sua comida, os cantores vendem CDs e DVDs, e todo trabalhador é pago por seu trabalho e têm que manter as contas em dia; o escritor é pago por todo o trabalho de pesquisar e escrever com a venda dos seus livros. Não sabia? O altruísmo e o trabalho voluntário existem, mas seres vivos tem que se alimentar diariamente para sobreviver, afinal, dizem por aí que saco vazio não para em pé. Mas sejamos sinceros: no Brasil há alguém – com exceção do Paulo Coelho – que fica milionário vendendo livros?

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Alguns links interessantes sobre censura de biografias no Brasil: