Em 2006 o jornalista Paulo Cesar
de Araújo publicou o livro “Roberto Carlos em detalhes”, sucesso de público e
crítica que foi censurado e retirado das prateleiras após uma ação criminal e
outra cível propostas no judiciário pelo cantor. Desde então o assunto da
censura às biografias tem sido muito debatido no país. Atualmente há um projetode lei que se arrasta no Congresso Nacional, propondo uma mudança no Código
Civil, que atualmente permite a censura à um escritor que escreva uma obra
sobre a vida de uma pessoa pública, que pode ser processado civil e criminalmente por ela ou seus herdeiros – oposto ao que ocorre em qualquer país
democrático que valha a menção, onde biografias não autorizadas são muito comuns
apesar de aborrecerem muita gente. O caso mostra que no Brasil muita gente boa ainda
não tolera, não se acostumou ou não sabe o que são a liberdade de expressão e a
liberdade de informação.
Capa do livro censurado "Roberto Carlos em detalhes", que iniciou o maior debate sobre censura do Brasil |
A liberdade de expressão é um dos
direitos mais caros a uma democracia e está prevista na Declaração Universal
dos Direitos Humanos, e basicamente é a possibilidade de se expressar sobre
qualquer assunto sem a ameaça de represálias. A liberdade de informação é outra
que também é prevista nesta declaração e é o direito que qualquer um tem de ter
acesso e divulgar qualquer informação de interesse público – por mais bizarra,
idiota, inútil ou excêntrica que seja. Elas são vias de mão dupla, e o que
muita gente não entende é que elas permitem que se diga e se tenha acesso àquelas
coisas com as quais não concordamos e nos deixa furiosos também. Liberdade de
expressão e informação não são só os direitos de dizer e ouvir coisas belas e
legais que todo mundo – incluindo você – concorda e elogia: o direito de um às
vezes é a perda do direito de outro, e para que possamos criticar e nos
informar, também temos que nos permitir ser criticados e expostos.
Há um aparente conflito entre a
liberdade de expressão e a liberdade de informação com outro direito sagrado: o
direito à privacidade. Aqueles que defendem a censura às biografias alegam que
elas violam a privacidade quando expõem momentos dolorosos e a intimidade
destas pessoas ao público, e que podem provocar danos à imagem do biografado ou
de seus familiares e amigos. Mas as coisas não são assim tão simples. Notícias veiculadas
na mídia sobre a morte, divórcio, ou doença de uma pessoa pública, ou um crime
praticado por ela, também expõem a dor, a intimidade e provocam danos à imagem
desta pessoa e de sua família e amigos; o jornalista que publica esta notícia
deveria ser censurado e processado então? Pessoas públicas já sofrem várias
restrições em sua privacidade devido ao seu próprio modo de vida – a maioria
até estimula e lucra com isso – e um biógrafo não revelará muito mais do já é
público e notório, e que elas mesmas já revelam diariamente nos meios de
comunicação.
O famigerado grupo "Procure Saber"reunido com membros do Congresso Nacional. O grupo defende a censura prévia de biografias |
É claro que a liberdade de
expressão não é autorização para a calúnia, injúria ou difamação. Qualquer um
que se sentir ofendido tem o direito a procurar o judiciário – favor não
confundir o termo com justiça. Aí então vem a alegação de que quando o estrago a
uma reputação já está feito, não há volta, e que um processo no judiciário pode
se arrastar por anos e não ter a condenação dos culpados. Mas se o poder
judiciário brasileiro é incompetente, lento, ineficaz e injusto, este é um
outro problema bem diferente; o direito à liberdade de expressão e o direito à
informação não podem ser censurados por causa dele. É como querer proibir as
pessoas de dirigir automóveis para evitar que aconteçam os acidentes de
trânsito, ou proibir a venda de facas para evitar assassinatos; o mau uso não
pode servir de justificativa para proibir até mesmo o bom uso.
E finalmente há também o
interessante argumento de que os biógrafos ganham dinheiro com suas biografias.
É verdade e concordo. Assim como o padre e o pastor são pagos pelas igrejas
para celebrar as missas e os cultos, os pintores vendem seus quadros, os
cozinheiros são pagos por sua comida, os cantores vendem CDs e DVDs, e todo
trabalhador é pago por seu trabalho e têm que manter as contas em dia; o
escritor é pago por todo o trabalho de pesquisar e escrever com a venda dos
seus livros. Não sabia? O altruísmo e o trabalho voluntário existem, mas seres
vivos tem que se alimentar diariamente para sobreviver, afinal, dizem por aí
que saco vazio não para em pé. Mas sejamos sinceros: no Brasil há alguém – com
exceção do Paulo Coelho – que fica milionário vendendo livros?
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Alguns links interessantes sobre censura de biografias no
Brasil:
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