quarta-feira, 23 de julho de 2014

Censura de biografias e as liberdades de expressão e informação

Em 2006 o jornalista Paulo Cesar de Araújo publicou o livro “Roberto Carlos em detalhes”, sucesso de público e crítica que foi censurado e retirado das prateleiras após uma ação criminal e outra cível propostas no judiciário pelo cantor. Desde então o assunto da censura às biografias tem sido muito debatido no país. Atualmente há um projetode lei que se arrasta no Congresso Nacional, propondo uma mudança no Código Civil, que atualmente permite a censura à um escritor que escreva uma obra sobre a vida de uma pessoa pública, que pode ser processado civil e criminalmente por ela ou seus herdeiros – oposto ao que ocorre em qualquer país democrático que valha a menção, onde biografias não autorizadas são muito comuns apesar de aborrecerem muita gente. O caso mostra que no Brasil muita gente boa ainda não tolera, não se acostumou ou não sabe o que são a liberdade de expressão e a liberdade de informação.

Capa do livro censurado "Roberto Carlos
em detalhes", que iniciou o maior debate
sobre censura do Brasil
A liberdade de expressão é um dos direitos mais caros a uma democracia e está prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e basicamente é a possibilidade de se expressar sobre qualquer assunto sem a ameaça de represálias. A liberdade de informação é outra que também é prevista nesta declaração e é o direito que qualquer um tem de ter acesso e divulgar qualquer informação de interesse público – por mais bizarra, idiota, inútil ou excêntrica que seja. Elas são vias de mão dupla, e o que muita gente não entende é que elas permitem que se diga e se tenha acesso àquelas coisas com as quais não concordamos e nos deixa furiosos também. Liberdade de expressão e informação não são só os direitos de dizer e ouvir coisas belas e legais que todo mundo – incluindo você – concorda e elogia: o direito de um às vezes é a perda do direito de outro, e para que possamos criticar e nos informar, também temos que nos permitir ser criticados e expostos.

Há um aparente conflito entre a liberdade de expressão e a liberdade de informação com outro direito sagrado: o direito à privacidade. Aqueles que defendem a censura às biografias alegam que elas violam a privacidade quando expõem momentos dolorosos e a intimidade destas pessoas ao público, e que podem provocar danos à imagem do biografado ou de seus familiares e amigos. Mas as coisas não são assim tão simples. Notícias veiculadas na mídia sobre a morte, divórcio, ou doença de uma pessoa pública, ou um crime praticado por ela, também expõem a dor, a intimidade e provocam danos à imagem desta pessoa e de sua família e amigos; o jornalista que publica esta notícia deveria ser censurado e processado então? Pessoas públicas já sofrem várias restrições em sua privacidade devido ao seu próprio modo de vida – a maioria até estimula e lucra com isso – e um biógrafo não revelará muito mais do já é público e notório, e que elas mesmas já revelam diariamente nos meios de comunicação.

O famigerado grupo "Procure Saber"reunido com membros do
Congresso Nacional. O grupo defende a censura prévia de biografias

É claro que a liberdade de expressão não é autorização para a calúnia, injúria ou difamação. Qualquer um que se sentir ofendido tem o direito a procurar o judiciário – favor não confundir o termo com justiça. Aí então vem a alegação de que quando o estrago a uma reputação já está feito, não há volta, e que um processo no judiciário pode se arrastar por anos e não ter a condenação dos culpados. Mas se o poder judiciário brasileiro é incompetente, lento, ineficaz e injusto, este é um outro problema bem diferente; o direito à liberdade de expressão e o direito à informação não podem ser censurados por causa dele. É como querer proibir as pessoas de dirigir automóveis para evitar que aconteçam os acidentes de trânsito, ou proibir a venda de facas para evitar assassinatos; o mau uso não pode servir de justificativa para proibir até mesmo o bom uso.

E finalmente há também o interessante argumento de que os biógrafos ganham dinheiro com suas biografias. É verdade e concordo. Assim como o padre e o pastor são pagos pelas igrejas para celebrar as missas e os cultos, os pintores vendem seus quadros, os cozinheiros são pagos por sua comida, os cantores vendem CDs e DVDs, e todo trabalhador é pago por seu trabalho e têm que manter as contas em dia; o escritor é pago por todo o trabalho de pesquisar e escrever com a venda dos seus livros. Não sabia? O altruísmo e o trabalho voluntário existem, mas seres vivos tem que se alimentar diariamente para sobreviver, afinal, dizem por aí que saco vazio não para em pé. Mas sejamos sinceros: no Brasil há alguém – com exceção do Paulo Coelho – que fica milionário vendendo livros?

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Alguns links interessantes sobre censura de biografias no Brasil:








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