Quem é fã do Robocop de 1987 e está preocupado com o resultado da nova versão de
2014 dirigida por José Padilha, pode ficar despreocupado. Apesar da falta de
violência, dos produtores, da maldição dos remakes
e da estreia do diretor no cinema americano, o filme é excelente. O original é
bem mais violento, e se fosse lançado hoje não seria liberado para menores de
18 anos, o que inviabilizaria uma produção de 100 milhões de dólares como esta.
Mas em compensação, o novo filme é mais complexo, trazendo à baila temas bem
atuais como a utilização de robôs na guerra, a desumanização de policiais e
soldados, a invasão da privacidade e o poder das grandes corporações.
O filme começa mostrando uma
ocupação americana em Teerã, no Irã, totalmente realizada por robôs. Gigantescos
ED 209 e vários robôs humanoides EM-208 patrulham as ruas e escaneiam os
moradores em busca de terroristas. Por ar há drones voadores que dão apoio
aéreo, bem parecidos com os que os Estados Unidos utilizam hoje no Afeganistão,
Iraque e Paquistão para matar terroristas. Filmes como Matrix e Exterminador do
Futuro tratam da ameaça tão explorada na ficção científica que é a guerra
das máquinas, que perdem o controle e submetem os seres humanos. José Padilha
apresenta uma reciclagem desta ideia ao mostrar que no futuro o que poderá
ocorrer é a dominação do homem por máquinas controladas por outros homens.
Robôs patrulhando as ruas de Teerã |
Neste novo filme a família do
policial Alex Murphy tem papel fundamental, pois é bem explorado o tema da transformação
do homem em máquina. Quem está no controle, o homem ou a máquina? É a ilusão do livre arbítrio, como diz
um dos personagens. No original, o que movia o Robocop desde o início era a vingança contra aqueles que tentaram
assassiná-lo. Neste a vingança tem que aguardar um pouco enquanto é mostrada a
adaptação do policial Alex Murphy à sua nova condição, em uma cena chocante.
Outro tema explorado no filme é o
da violação de privacidade. Robocop
tem acesso a todas as câmeras da cidade e o registro de todos os cidadãos, e
através de leitura biométrica pode identificar qualquer um e buscar seus
antecedentes criminais e dados biográficos. Em um mundo em que centenas de
milhões de pessoas compartilham suas vidas em redes sociais, câmeras de
vigilância vigiam as ruas e governos espionam seus cidadãos, o tema é bem
oportuno.
José Padilha |
Também interessante é o tema da
relação promíscua entre a imprensa, a política e as grandes corporações. Como estes
grupos conseguem através da mídia manipular a opinião pública, e, desta forma,
pressionar os políticos a aprovar leis que os interessam, ou, paralelamente a esta
tática, chantagear e/ou subornar os reticentes e os corruptos. Estas relações
ameaçam a democracia no mundo ao priorizar os interesses dos grandes grupos
econômicos em detrimento das necessidades da população, resultando em graves
crises econômicas e violações dos direitos das pessoas.
Segundo José Padilha em
entrevistas, não houve muita interferência dos produtores no desenvolvimento do
filme por ele ter colocado as cartas na mesa e exigido desde o início fazer o filme
à sua maneira, sem menosprezar a inteligência do público. É lógico que não há a
violência de um Tropa de Elite ou do
filme original, que teve que ser muito bem camuflada com o uso pelo policial do
futuro de uma arma de choque nas cenas diurnas e de uma conveniente escuridão
quando a arma era verdadeira, culpa da classificação etária de 13 anos do
filme. Mas a violência foi substituída pelo drama e a exploração dos limites
éticos de se submeter o ser humano com o auxílio de máquinas. Hoje só os
afegãos, iraquianos e paquistaneses sabem o que é ser atacado por um robô
controlado remotamente, mas e quando eles começarem a atuar dentro do próprio
território dos Estados Unidos? E quando um robô matar por engano um ser humano,
quem será julgado? E quando um regime totalitário utilizar robôs para controlar
seus cidadãos? São perguntas que teremos que responder em breve.
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