Carolyn Porco |
Esta é a transcrição da palestra para o TED da cientista planetária Carolyn Porco, que trabalha para a NASA na missão Cassini-Huygens. Ela fala um pouco sobre
a história da exploração do espaço e sobre algumas das descobertas realizadas
pela sonda Cassini, que chegou em Saturno no ano de 2004 e até hoje orbita o
planeta, e da Huygens, que em janeiro
de 2005 pousou na lua Titã. Esta gigantesca lua possui uma densa atmosfera que
acredita-se ser parecida com a atmosfera da Terra há bilhões de anos atrás, e
possui imensos lagos de metano líquido nos pólos. Ficamos sabendo ainda das
incríveis descobertas realizadas na lua Encélado, que se mostrou um dos locais mais
interessantes do Sistema Solar para a busca de vida fora da Terra. Esta pequena
lua possui um oceano subterrâneo de água líquida e gêiseres que expelem vapor a
centenas de quilômetros no espaço.
Gêiseres em Encélado |
Titã atrás dos anéis de Saturno |
Imagens de radar de alguns lagos e rios de metano em Titã |
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aqui e em Show transcript acione
as legendas Portuguese, Brazilian.
Carolyn Porco nos leva a Saturno
Durante os próximos 18 minutos, eu os
levarei em uma jornada. E é uma jornada em que eu e vocês estivemos por muitos
anos agora, e ela começou a aproximadamente 50 anos atrás, quando humanos pela
primeira vez deram um passo para fora de nosso planeta. E nesses 50 anos, não
apenas nós literalmente, fisicamente pisamos na Lua, mas também lançamos sondas
robóticas para todos os planetas -- todos os oito -- e aterrissamos em asteroides,
fizemos contato com cometas, e neste exato momento, temos uma nave em seu caminho
para Plutão, o corpo celeste previamente conhecido como um planeta. E todas
essas missões robóticas são parte de uma jornada humana maior: uma viagem para
entender algo, para termos uma noção do nosso lugar no cosmos, para entender
algo de nossas origens, e como a Terra, nosso planeta, e nós, vivendo nela,
surgimos.
E de todos os lugares no sistema solar aos
quais nós podemos ir procurar respostas para perguntas como essas, há Saturno.
E nós já estivemos em Saturno antes -- nós o visitamos no início dos anos 80 --
mas nossas investigações de Saturno tornaram-se muito mais profundas e
detalhadas desde que a sonda Cassini, viajando através do espaço
interplanetário por sete anos, planou para órbita em Saturno no verão de 2004,
e tornou-se naquele momento o mais distante posto robótico que a humanidade já
estabeleceu em torno do Sol.
Saturno é um sistema planetário muito rico.
Ele oferece mistério, conhecimento científico e, obviamente, um esplendor sem
igual. E a investigação desse sistema oferece um enorme entendimento cósmico.
Na verdade, estudando apenas os seus anéis, aprendemos muito sobre os discos de
estrelas e gás que nós chamamos de galáxias espirais. E aqui está uma bela
imagem da Nebulosa de Andrômeda, que é a maior e mais próxima galáxia da Via
Láctea. E eis uma bela imagem composta da Galáxia do Rodamoinho, tirada pelo
telescópio espacial Hubble.
Então essa viagem de volta para Saturno é na
verdade parte de -- e também uma metáfora para -- uma jornada humana muito
maior para entender as inter-conexões de tudo o que nos cerca, e também onde os
humanos se encaixam nisso. E é uma pena que eu não possa lhes dizer tudo o que
aprendemos com a Cassini -- eu não posso lhes mostrar todas as belíssimas fotos
que tiramos nos últimos 2 anos e meio, porque eu simplesmente não tenho esse
tempo. Então eu vou me concentrar em duas das histórias mais interessantes que
emergiram dessa grande expedição exploratória que estamos conduzindo em torno
de Saturno, e em que estivemos nos últimos 2 anos e meio.
Saturno é acompanhado por uma grande e
diversa coleção de luas. Elas variam de tamanho de poucos quilômetros até o
tamanho dos EUA. A maioria das fotos que tiramos de Saturno, na verdade,
mostram Saturno acompanhado de algumas de suas luas. Aqui está Saturno com
Dione, e aqui está Saturno mostrando os anéis em pefil, mostrando o quanto eles
são finos verticalmente, com a lua Encélado. Duas das 47 luas de Saturno são
especiais.
Elas são Titã e Encélado. Titã é a maior lua
de Saturno, e até Cassini chegar lá, era a maior área única de terreno
inexplorado que tínhamos em nosso sistema solar. E é um corpo que há muito tem
intrigado pessoas que observam os planetas. Ela tem uma grande e espessa
atmosfera, e, na verdade, acreditava-se que o ambiente de sua superfície fosse
mais semelhante ao ambiente que temos aqui na Terra, ou ao menos que tivemos no
passado, do que qualquer outro corpo no sistema solar. Sua atmosfera é
predominantemente de nitrogênio molecular, como o que vocês estão respirando
aqui nesta sala, exceto que sua atmosfera é impregnada de substâncias orgânicas
simples como metano, propano e etano. E essas moléculas no alto da atmosfera de
Titã são quebradas, e seus produtos se combinam para formar partículas de
névoa. Essa névoa é onipresente, global e envolve Titã por completo. E é por
isso que não podemos observar a superfície com nossos olhos, utilizando a
região visível do espectro.
Mas essas partículas de névoa, se
conjecturou, antes de chegarmos lá com Cassini, no decorrer de bilhões e
bilhões de anos lentamente se depositaram e cobriram a superfície na forma de um
espesso lodo orgânico. O que seria o equivalente, em Titã, ao alcatrão, ou
petróleo -- nós não sabíamos o quê. Mas isso é o que nós suspeitávamos. E essas
moléculas, especialmente o metano e o etano, podem ser líquidos à temperatura
da superfície de Titã. E então acontece que o metano é para Titã o que a água é
para a Terra. Ele se condensa na atmosfera, e ao se reconhecer essa
circunstância abre-se um mundo de possibilidades bizarras. Podemos ter nuvens
de metano, Ok, e acima dessas nuvens existem dezenas de quilômetros de névoa
que impedem que qualquer raio solar chegue à superfície. A temperatura na
superfície é de aproximadamente 210 ºC abaixo de zero.
Mas apesar desse frio, poderia haver chuva
caindo na superfície de Titã. E fazendo em Titã o que a chuva faz na Terra, ela
escava ravinas, forma rios e cataratas. Pode criar cânions, acumular-se em
grandes bacias e crateras. Ela pode arrastar o lodo do alto de montanhas e
colinas para planícies. Então pare e pense por um minuto. Tente imaginar o que
a superfície de Titã pode parecer. É escuro -- a noite em Titã é tão escura
quanto o crepúsculo subterrâneo na Terra É frio, é sombrio, é nebuloso, pode
estar chovendo, e você pode estar às margens do Lago Michigan completamente
preenchido com thinner.
Esta era a visão que nós tínhamos da
superfície de Titã antes de chegarmos lá com Cassini, e eu posso lhes dizer que
o que encontramos em Titã, embora não seja o mesmo em detalhe, é tão fascinante
quanto essa história. E para nós tem sido como -- para o pessoal da Cassini tem
sido como uma verdadeira aventura de Júlio Verne. Como eu disse, ela tem uma
espessa e extensa atmosfera. Essa é uma imagem de Titã contra o Sol, com os
anéis formando um belo plano de fundo. E mais uma lua ali -- eu nem mesmo sei
qual é. É uma atmosfera muito extensa. Nós temos instrumentos na Cassini que
podem observar a superfície através da atmosfera, e meu sistema de câmeras é um
deles. E nós tiramos fotos como essa. E o que você vê são regiões claras e
escuras, e isso é até onde nós podemos chegar. Foi tão mistificante -- nós não
conseguíamos entender o que estávamos vendo em Titã. Quando você olha mais
próximo para esta região, você começa a ver coisas como canais sinuosos, nós
não sabíamos. Você vê algumas coisas redondas. Isso, nós descobrimos mais
tarde, é na verdade uma cratera, mas existem muito poucas crateras na
superfície de Titã, significando que essa é uma superfície muito jovem. E
existem alguns artefatos que parecem ser tectônicos. Parecem que eles foram
separados. Sempre que você vê algo linear num planeta, quer dizer que houve uma
fratura, como uma falha. Então, foi tectonicamente alterado.
Mas nós não conseguíamos achar sentido em
nossas imagens, até seis meses depois de entrar em órbita, ocorreu um evento
que muitos consideraram o auge da investigação de Titã pela Cassini. E isso foi
o lançamento da sonda Huygens, a sonda espacial Huygens, construída na Europa,
que Cassini carregou durante sete anos através do sistema solar. Nós a lançamos
na atmosfera de Titã, e ela levou duas horas e meia para descer, aterrissando
na superfície. E eu só gostaria de enfatizar o quão significante é esse evento.
Esse é um dispositivo fabricado por humanos, e ele aterrissou no sistema solar
externo pela primeira vez na história da humanidade. Isso é tão significante
que, na minha cabeça, esse foi um evento que deveria ter sido celebrado com
grandes paradas em todas as cidades através dos EUA e Europa, e infelizmente
esse não foi o caso. (Risos)
E foi significante por outra razão. Essa foi
uma missão internacional, e essa evento foi celebrado na Europa, na Alemanha, e
as apresentações celebratórias foram dadas em sotaques ingleses, sotaques
americanos, sotaques alemães, franceses, italianos e holandeses. Foi uma
demonstração comovente do que as palavras "Nações Unidas" deveriam
significar: uma verdadeira união de nações, juntas num colossal esforço para o
bem. E nesse caso, foi um empreendimento massivo para explorar um planeta e
chegar ao entendimento de um sistema planetário que por toda a história da
humanidade tem sido inalcançável, e agora, humanos o tocaram. Então foi -- quer
dizer, eu estou tendo arrepios só de falar nisso, foi um evento tremendamente
emocional e é algo que eu pessoalmente nunca esquecerei, e vocês também não
deveriam. (Aplausos)
Enfim, a sonda fez medições da atmosfera no
seu caminho para a superfície, e também tirou fotos panorâmicas. E eu não sou
capaz de descrever como foi ver as primeiras fotos da superfície de Titã vindas
da sonda. E isso foi o que nós vimos. E foi uma surpresa, porque era tudo o que
nós queríamos que aquelas outras imagens tiradas em órbita fossem. Era um
padrão não-ambíguo, um padrão geológico. É um padrão de drenagem dendrítica que
só pode ser formado pelo fluxo de líquidos. E você pode seguir esses canais e
ver como todos eles convergem. E eles convergem nesse canal aqui, que drena
para essa região. Vocês estão olhando para um litoral. Era um litoral de
fluidos? Nós não sabíamos. Mas era algo como um litoral.
Essa imagem foi tirada a 16 quilômetros de
altura. Essa foi tirada a 8 quilômetros, Ok? De novo, a margem do litoral. Ok,
então 16 quilômetros, 8 quilômetros -- é aproximadamente a altitude de cruzeiro
de um avião. Se você fosse fazer uma viagem de avião através dos EUA, você
estaria voando nessas altitudes. Então essa seria a imagem que você teria se
estivesse na janela de um avião das Aerolinhas Titânicas ao sobrevoar a
superfície de Titã. (Risos)
E então, finalmente, a sonda pousou na
superfície, e eu irei lhes mostrar, senhoras e senhores, a primeira foto já
tirada da superfície de uma lua no sistema solar externo. E aqui está o
horizonte, Ok? Isso são, provavelmente, pedras de água congelada, sim!
(Aplausos) E, obviamente, a sonda pousou em uma dessas regiões planas e escuras
e ela não afundou. Então não era fluido, aquilo em que aterrissamos. Aquilo no
que a sonda pousou era basicamente o equivalente a uma superfície lamacenta em
Titã. Isso é um terreno não-consolidado que é impregnado de metano líquido. E
esse material provavelmente foi arrastado dos planaltos de Titã através desses
canais que nós vimos, e foi drenado através de bilhões de anos para encher
essas bacias. E foi nisso em que a sonda Huygens aterrissou.
Mas ainda assim, não havia sinais em nossas
imagens, ou mesmo nas imagens da Huygens, de quaisquer grandes corpos de
fluidos. Onde eles estavam? As coisas ficaram ainda mais enigmáticas quando
achamos dunas. Ok, então esse é o nosso filme da região equatorial de Titã,
mostrando essas dunas. Essas são dunas com 100 metros de altura, separadas por
alguns poucos quilômetros, e elas continuam por milhas e milhas e milhas.
Existem centenas, chegando a 1600 ou 1900 quilômetros de dunas. Esse é o
deserto Saara de Titã. É um lugar obviamente muito seco, ou então não haveriam
dunas.
Então, de novo, foi enigmático não existirem
fluidos, até que finalmente nós vimos lagos nas regiões polares. E aqui está a
cena de um lago na região polar sul de Titã. É aproximadamente do tamanho do
Lago Ontário. E então, há apenas uma semana e meia atrás, nós sobrevoamos o
pólo norte de Titã e achamos, novamente, nós achamos uma formação do tamanho do
Mar Cáspio. Então, aparentemente, líquidos, por alguma razão que nós não
entendemos, ou durante pelo menos essa estação, estão aparentemente nos pólos
de Titã. E eu acho que vocês concordariam que nós achamos Titã um lugar
excepcional e místico. É exótico, alienígena, mas, no entanto, ainda muito
parecido com a Terra, e tendo formações geológicas que lembram as Terrestres e
uma tremenda diversidade geográfica, e é um mundo fascinante, cujo único rival
no sistema solar em complexidade e riqueza é a própria Terra.
E então, agora, partimos para Encélado.
Encélado é uma pequena lua, aproximadamente um décimo do tamanho de Titã, e
você pode vê-la aqui ao lado da Inglaterra. É só para lhes mostrar o tamanho;
não é para ser considerado uma ameaça. (Risos) E Encélado é muito branco, muito
brilhante, e sua superfície é obviamente devastada por fraturas, é um corpo
muito ativo geologicamente. Mas a grande quantidade de descobertas em Encélado
foram feitas no pólo sul -- e nós estamos olhando para o pólo sul aqui -- onde
nós achamos esse sistema de fraturas. E elas são de uma cor diferente porque
tem uma composição diferente. Elas são revestidas. Essas fraturas são revestidas
de materiais orgânicos. Além disso, toda essa região, a região do pólo sul,
possui temperaturas elevadas. É o lugar mais quente do planeta, do corpo. Isso
é tão bizarro quanto descobrir que a Antártica na Terra é mais quente que os
trópicos.
E então, quando nós tiramos mais fotos,
descobrimos que dessas fraturas são expelidos jatos de finas partículas de gelo
que se estendem por centenas de milhas para o espaço. E quando nós colorizamos
essa imagem para realçar os fracos níveis de luz, nós vemos que esses jatos
alimentam uma pluma que nós de fato vemos, em outras imagens, se estende por
milhares de milhas para o espaço sobre Encélado. Meu time e eu examinamos
imagens como essa, e como essa, e pensamos sobre os outros resultados de
Cassini, E nós chegamos à conclusão de que esses jatos podem estar irrompendo a
partir de bolsões de água líquida sob a superfície de Encélado.
Então nós temos, possivelmente, água
líquida, materiais orgânicos e calor em excesso. Em outras palavras, nós
provavelmente nos topamos com o Graal da exploração planetária moderna. Ou, em
outras palavras, um ambiente que é potencialmente adequado para organismos
vivos. E eu não acho que eu preciso lhes dizer que a descoberta de vida em
algum outro lugar do nosso sistema solar, quer seja em Encélado ou outro lugar,
teria enorme implicações culturais e científicas. Porque se nós pudéssemos
demonstrar que a Gênese ocorreu não uma, mas duas vezes, independentemente em
nosso sistema solar, então isso significa, por dedução, que ela ocorreu um
imenso número de vezes através do universo e durante sua história de 13,7
milhões de anos.
Neste momento, a Terra é o único planeta que
conhecemos que está repleto de vida. Ela é preciosa, é única, ela ainda é, até
agora, o único lar que conhecemos. E se qualquer um de vocês esteve alerta e
coerente nos anos 60 -- e nós perdoamos se você não esteve, Ok -- você se
lembraria dessa famosa imagem tirada pelos astronautas da Apollo VIII em 1968.
Foi a primeira vez que a Terra foi fotografada do espaço, e ela teve um enorme
impacto na percepção do nosso lugar no universo, e nosso senso de
responsabilidade pela proteção de nosso próprio planeta.
Bem, nós, com a Cassini, também tiramos uma
"primeira" equivalente, uma imagem que nenhum olho humano viu antes.
É um eclipse total do Sol, visto do outro lado de Saturno. E nessa foto
inacreditavelmente bela você vê os principais anéis de Saturno contra a luz do
Sol, você vê a imagem refratada do Sol e você vê o anel criado, na verdade,
pelas exalações de Encélado. Mas como se isso não fosse brilhante o suficiente,
nós podemos achar nessa bela imagem, uma vista do nosso próprio planeta,
embalado nos braços dos anéis de Saturno.
Agora, existe algo profundamente comovente
em a nós mesmos de tão longe, e capturar a vista do nosso pequeno planeta
azul-oceano nos céus de outros mundos. E isso, e a perspectiva de nós mesmos
que ganhamos disso, pode ser, no final, a melhor recompensa que receberemos
dessa jornada de descobertas que começamos meio século atrás. E muito obrigado.
(Aplausos)
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