quarta-feira, 23 de abril de 2014

Terra Nova – Antología de Ciencia Ficción Contemporánea

Terra Nova – Antología de Ciencia Ficción Contemporánea (Sportula, 2013) é uma antologia internacional de contos de ficção científica em espanhol organizada pelo espanhol Mariano Villarreal e o argentino Luis Pestarini, com uma belíssima capa do ilustrador espanhol Ángel Benito Gastañaga. Em sua maioria são contos passados em futuros próximos que exploram o impacto social que novas tecnologias – algumas já em desenvolvimento – terão na vida das pessoas e as questões morais e filosóficas decorrentes, mas que também trazem reflexões sobre temas importantes do mundo atual. A difícil adaptação de uma imigrante em um novo país; amantes robóticos sobre encomenda; exploração de zumbis por um governo totalitário; a alienação do indivíduo nas redes sociais do futuro; transferência de mentes para corpos de aluguel em países subdesenvolvido; backup da mente digitalizada de entes queridos; uma revolução de humanos geneticamente modificados durante a terraformação do planeta Marte; e a defesa dos direitos de inteligências artificiais de estimação em um mundo virtual; são apenas alguns dos temas explorados nos sete contos e uma noveleta de autores de países diversos como Espanha, Cuba, Argentina, China, Estados Unidos e Inglaterra.


El zoo de papel, Ken Liu (EUA/China)***** - Excelente conto de fantasia do chinês radicado nos Estados Unidos Ken Liu. Achei estranho este conto estar numa coletânea de ficção científica, mas ninguém poderá reclamar, pois ele é excelente – um dos melhores da antologia. Nele acompanhamos a relação de um garoto nascido nos Estados Unidos da América, filho de um americano com uma imigrante chinesa. Sua mãe tem uma estranha habilidade: insuflar vida em pequenos origamis de papel. Conforme ele vai crescendo, cresce também a vontade de assumir o american way of life e renegar sua herança cultural chinesa – incluindo sua própria mãe. Já adulto ele recebe uma carta de sua falecida mãe, e fica sabendo de sua triste história. Fenomenal!

Deirde, Lola Robles (Espanha) ***** - Conto sobre robôs com temática homossexual da autora espanhola Lola Robles. No melhor estilo Isaac Asimov, a autora nos brinda com um conto sobre um futuro em que uma empresa oferece parceiros robóticos criados a partir das preferências e perfis psicológicos dos clientes. Uma mulher desiludida após várias desilusões amorosas com parceiras diversas resolve encomendar uma robô. Sua parceira robótica é perfeita e lhe ama sem reservas, mas será mesmo amor o sentimento resultante do condicionamento de uma programação? Uma comovente história que atravessa as limitações de gênero em uma reflexão sobre o que é o amor verdadeiro.

Recuerdos de un país zombi, Erick J. Mota (Cuba)**** - Muito bom conto do autor cubano Erick J. Mota. Uma mistura de Walking Dead com Guerra Mundial Z, onde conhecemos um mundo assolado por uma praga zumbi causada por um vírus, e cientistas cubanos descobrem uma vacina que deixa os mortos-vivos dóceis e obedientes mas que contamina pessoas saudáveis. O governo revolucionário cubano começa a usar esta vacina para explorar a mão-de-obra zumbi nas lavouras e no exército, mas secretamente planeja contaminar a população inteira criando o cidadão revolucionário perfeito: totalmente obediente e comprometido com a causa revolucionária cubana.

Enciende una vela solitária, Víctor Conde (Espanha)** - Conto do espanhol Víctor Conde, é o que menos gostei na antologia. Faz uma crítica às redes sociais. Uma história psicodélica sobre um futuro onde as pessoas podem mergulhar em um mundo virtual onde todas as mentes estão unificadas, compartilhando sentimentos, sensações e lembranças; um pesadelo onde não há individualidade. Parece o relato de alguém olhando as postagens de amigos no Facebook após usar LSD.

Cuerpos, Juanfran Jiménez (Espanha)**** - Conto muito bom no estilo ciberpunk do espanhol Juanfran Jiménez sobre um futuro no século XXII, em que uma poderosa empresa explora um inusitado tipo de turismo: a transferência de mentes realizada remotamente entre europeus e latino-americanos. Neste mundo – onde o abismo social entre o velho e o novo mundo se tornou ainda mais largo – a imigração ilegal se tornou impossível, e turistas europeus ricos tem a possibilidade de visitar turisticamente países exóticos – incluindo o turismo sexual – alugando os corpos de pessoas pobres que ganham a vida desta forma. É neste contexto que um revolucionário descendente de indígenas, tenta fugir de seu passado e imigrar ilegalmente para a Europa transferindo definitivamente sua mente para o corpo de um turista sexual europeu.

Um día sin papá, Ian Watson (Inglaterra)*** - Mais um conto ciberpunk, desta vez do escritor inglês Ian Watson, sobre um futuro onde através de uma nova técnica, as pessoas podem compartilhar suas mentes com as mentes digitalizadas de pessoas mortas. Uma atarefada mãe de família hospeda a mente de seu falecido pai e tem que se desdobrar entre as tarefas domésticas e dar atenção à sua filha e marido – e ainda encontrar algum tempo para que seu inquilino mental assuma o controle de seu corpo e aproveite um pouco sua nova condição de existência. Diante de tantas responsabilidades ela ainda tenta cuidar de algo há muito vem negligenciado: sua própria vida.

Memoria, Teresa P. Mira de Echeverría (Argentina)**** - Conto da filósofa e escritora argentina Teresa P. Mira de Echeverría, se passa em um futuro não muito distante em que a humanidade está terraformando o planeta Marte. Para este trabalho é criada uma raça de humanos geneticamente modificados para se adaptar ao ambiente marciano. Uma história com a temática homossexual que mostra a vida de um garoto que cresce e se apaixona por um marciano que se tornará o líder da uma revolução que poderá tornar Marte independente da Terra. Para garantir sua felicidade e o futuro do planeta Marte, ele deverá seguir rigidamente as orientações advindas do um estranho poder premonitório de seu companheiro. Neste novo mundo, um triângulo amoroso e um bizarro ritual podem revolucionar a reprodução humana e criar uma nova raça de pós-humanos em um do futuro onde a autora explora as funções do sexo na sociedade.

El ciclo de vida de los objetos de software, Ted Chiang (EUA)**** - Noveleta do prestigiado escritor americano de descendência chinesa Ted Chiang sobre inteligências artificiais de estimação. Uma empresa cria criaturas virtuais inteligentes chamadas digientes (entes digitais) para serem mascotes em uma realidade virtual do futuro. Estes seres artificiais tem a capacidade de aprendizado, e o desenvolvimento do potencial de cada um depende da dedicação dos donos em ensiná-los. Após a falência da empresa, um grupo de funcionários e proprietários de digientes mantém fóruns na internet e lutam para mantê-los a salvo de ameaças como pirataria, tortura, exploração sexual e o fim do mundo virtual onde vivem – que está sendo substituído por um mais moderno, mas incompatível com a programação ultrapassada dos digientes. Em meio à luta pela emancipação e reconhecimento dos digientes como seres inteligentes, dois ex-funcionários devem decidir se vale a pena aceitar a proposta de uma empresa que propõe utilizar as criaturas como companheiros sexuais virtuais – o que possibilitaria angariar os recursos necessários para salvá-los da extinção e reprograma-los para a nova realidade virtual hegemônica. Ao ler esta sensacional história não pude deixar de refletir sobre a curta duração dos softwares e websites na era da informática – alguém aí lembra do Pegasus Mail, Netscape Navigator, Napster, eMule, Mirc, Kazaa, entre outros? – e da grande migração que aconteceu no mundo das redes sociais dos usuários do Orkut para o Facebook.

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