quinta-feira, 10 de abril de 2014

O Coração das Trevas, de Joseph Conrad

O Coração das Trevas (Heart of Darkness, 1899) é o livro mais famoso e perturbador do escritor Joseph Conrad (1857-1924), autor nascido na Polônia mas estabelecido na Inglaterra. O livro é considerado uma das maiores obras da literatura ocidental do século XX – apesar de ter sido publicado pela primeira vez em 1899 na revista literária Maga – e a história ficou mundialmente famosa por ter inspirado o filme Apocalypse Now, do grande cineasta Francis Ford Coppola. É uma obra quase autobiográfica onde Conrad faz uma dura crítica ao imperialismo.

Joseph Conrad foi testemunha dos horrores do imperialismo: viu sua Polônia natal ser ocupada pela Rússia e trabalhou no Congo como Capitão de um navio a vapor. Desta última experiência veio a inspiração para escrever O Coração das Trevas. Assim como o protagonista, ele também trabalhou para uma empresa Belga e comandou um navio a vapor no Congo – na época uma propriedade do Leopoldo II da Bélgica. Seu navio foi avariado e ele também adentrou o Rio Congo em direção ao posto mais longínquo da companhia rio abaixo; retornando com o administrador Georges-Antonie Klein, que morreu doente no retorno.

Joseph Conrad
O livro começa como uma narrativa em primeira pessoa em uma tarde em um estuário no Rio Tâmisa, em Londres, onde vários marinheiros estão passando o tempo escutando a narrativa de um aventureiro chamado Charles Marlow. Começa então a narrativa principal, contada por Marlow, sobre seu emprego em uma companhia belga de comércio e sua aventura comandando um navio fluvial a vapor que transportava marfim por um grande rio na África Colonial. No caminho ele ouve falar do lendário Sr. Kurtz, um administrador que comanda o posto mais avançado da companhia rio abaixo. No caminho ele testemunha o tratamento brutal dado aos nativos negros; o brutal desequilíbrio de forças entre colonizadores e nativos quando vê um navio de guerra francês bombardeando uma aldeia; e todo o sangue e o esforço realizado naquele local distante e isolado da civilização com o único intuito de explorar o marfim. No início ele acredita no colonialismo como uma forma de levar a civilização aos povos bárbaros e atrasados, mas conforme vai avançando mais no coração negro da floresta (o “coração das trevas” do título) em busca do Sr. Kurtz, ele descobre os horrores que se escondem por trás do processo civilizatório. O Sr. Kurtz é adorado como um deus pelos nativos e em seu isolamento prolongado extrapolou todos os limites da barbárie, mostrando que quando ultrapassamos as fronteiras psicológicas da civilização adentramos no território da insanidade.

Apesar de inspirado em O Coração das Trevas, a história do filme Apocalypse Now (1979) tem poucas semelhanças com o livro de Joseph Conrad – apesar da ambientação e do clima de insanidade serem idênticos. O filme de Francis Ford Coppola se passa na Guerra do Vietnã, onde o Capitão do exército americano Benjamin L. Willard (Martin Sheen) recebe a missão de adentrar o Rio Nung em plena guerra para matar o desertor Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando), que enlouqueceu e vive entre nativos nos confins da floresta tropical do Camboja. O filme tem um elenco estelar contando, além de Martin Sheen e Marlon Brando, com nomes como Harrison Ford, Robert Duvall, Laurence Fishburne e Dennis Hopper. Como cenas inesquecíveis destaco o início, em que o personagem de Martin Sheen pira no interior de um apartamento em Saigon ao som da canção The End, da banda The Doors, e a cena do ataque dos helicópteros a uma vila vietnamita ao som da Cavalgada das Valquírias, de Richard Wagner.

Marlon Brando irreconhecível como Coronel Kurtz em Apocalypse Now.

Uma história universal e atualíssima nestes tempos em que testemunhamos a intervenção das grandes potências em países do Oriente Médio e África, sob o pretexto de levar a democracia e combater o terrorismo; e a anexação de territórios por grandes potências, como ocorreu no caso da Criméia pela Rússia. O horror! O horror!, como diz o Sr. Kurtz no livro.

É uma leitura curta mas que exige muita atenção e concentração para não perder nenhuma das sutilezas do texto. A edição que li é a edição bilíngue da Editora Landmark, que ainda pode ser encontrada nas livrarias, mas há também várias outras boas versões por outras editoras.

“Entretanto, como vocês podem perceber, eu não me juntei a Kurtz nem ali e nem depois. Eu permaneci a sonhar o pesadelo até o final e a demonstrar sempre a minha lealdade para com Kurtz. Destino. Meu destino! A vida é uma coisa engraçada: um arranjo misterioso de lógica sem misericórdia para um propósito fútil. O máximo que se pode esperar dela é algum conhecimento de si mesmo... que chega tarde demais... um amontoado de arrependimentos inextinguíveis. Eu tenho lutado contra a morte. É a competição mais entediante que vocês podem imaginar. Ela acontece numa mediocridade intangível, com nada sob os nossos pés, com nada entorno, sem espectadores, sem um clamor, sem glória, sem o grande desejo de vitória, sem o grande temor da derrota, dentro de uma atmosfera doentia de cepticismo morno, sem se acreditar no próprio direito e ainda muito menos quanto ao direito do adversário. Se for aquela a imagem da derradeira sabedoria, então a vida é um enigma maior do que alguns de nós poderiam sequer supor que seja. [...]”




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