O Coração das Trevas (Heart of Darkness, 1899) é o livro mais
famoso e perturbador do escritor Joseph Conrad (1857-1924), autor nascido na Polônia
mas estabelecido na Inglaterra. O livro é considerado uma das maiores obras da
literatura ocidental do século XX – apesar de ter sido publicado pela primeira
vez em 1899 na revista literária Maga
– e a história ficou mundialmente famosa por ter inspirado o filme Apocalypse Now, do grande cineasta Francis
Ford Coppola. É uma obra quase autobiográfica onde Conrad faz uma dura crítica
ao imperialismo.
Joseph Conrad foi testemunha dos
horrores do imperialismo: viu sua Polônia natal ser ocupada pela Rússia e
trabalhou no Congo como Capitão de um navio a vapor. Desta última experiência
veio a inspiração para escrever O Coração das Trevas. Assim como o protagonista,
ele também trabalhou para uma empresa Belga e comandou um navio a vapor no
Congo – na época uma propriedade do Leopoldo II da Bélgica. Seu navio foi avariado
e ele também adentrou o Rio Congo em direção ao posto mais longínquo da
companhia rio abaixo; retornando com o administrador Georges-Antonie Klein, que morreu doente no
retorno.
Joseph Conrad |
O livro começa como uma narrativa em primeira pessoa em uma tarde em um
estuário no Rio Tâmisa, em Londres, onde vários marinheiros estão passando o
tempo escutando a narrativa de um aventureiro chamado Charles Marlow. Começa então
a narrativa principal, contada por Marlow, sobre seu emprego em uma companhia
belga de comércio e sua aventura comandando um navio fluvial a vapor que
transportava marfim por um grande rio na África Colonial. No caminho ele ouve
falar do lendário Sr. Kurtz, um administrador que comanda o posto mais avançado
da companhia rio abaixo. No caminho ele testemunha o tratamento brutal dado aos
nativos negros; o brutal desequilíbrio de forças entre colonizadores e nativos
quando vê um navio de guerra francês bombardeando uma aldeia; e todo o sangue e
o esforço realizado naquele local distante e isolado da civilização com o único
intuito de explorar o marfim. No início ele acredita no colonialismo como uma
forma de levar a civilização aos povos bárbaros e atrasados, mas conforme vai
avançando mais no coração negro da floresta (o “coração das trevas” do título) em
busca do Sr. Kurtz, ele descobre os horrores que se escondem por trás do
processo civilizatório. O Sr. Kurtz é adorado como um deus pelos nativos e em
seu isolamento prolongado extrapolou todos os limites da barbárie, mostrando
que quando ultrapassamos as fronteiras psicológicas da civilização adentramos
no território da insanidade.
Apesar de inspirado em O Coração das Trevas, a história do
filme Apocalypse Now (1979) tem poucas
semelhanças com o livro de Joseph Conrad – apesar da ambientação e do clima de
insanidade serem idênticos. O filme de Francis Ford Coppola se passa na Guerra
do Vietnã, onde o Capitão do exército americano Benjamin L. Willard (Martin
Sheen) recebe a missão de adentrar o Rio Nung em plena guerra para matar o
desertor Coronel Walter E. Kurtz (Marlon Brando), que enlouqueceu e vive entre
nativos nos confins da floresta tropical do Camboja. O filme tem um elenco
estelar contando, além de Martin Sheen e Marlon Brando, com nomes como Harrison
Ford, Robert Duvall, Laurence Fishburne e Dennis Hopper. Como cenas
inesquecíveis destaco o início, em que o personagem de Martin Sheen pira no
interior de um apartamento em Saigon ao som da canção The End, da banda The Doors,
e a cena do ataque dos helicópteros a uma vila vietnamita ao som da Cavalgada das Valquírias, de Richard
Wagner.
Marlon Brando irreconhecível como Coronel Kurtz em Apocalypse Now. |
Uma história universal e
atualíssima nestes tempos em que testemunhamos a intervenção das grandes
potências em países do Oriente Médio e África, sob o pretexto de levar a
democracia e combater o terrorismo; e a anexação de territórios por grandes
potências, como ocorreu no caso da Criméia pela Rússia. O horror! O horror!, como diz o Sr. Kurtz no livro.
É uma leitura curta mas que exige
muita atenção e concentração para não perder nenhuma das sutilezas do texto. A
edição que li é a edição bilíngue da Editora Landmark, que ainda pode ser
encontrada nas livrarias, mas há também várias outras boas versões por outras
editoras.
“Entretanto, como vocês podem perceber, eu
não me juntei a Kurtz nem ali e nem depois. Eu permaneci a sonhar o pesadelo
até o final e a demonstrar sempre a minha lealdade para com Kurtz. Destino. Meu
destino! A vida é uma coisa engraçada: um arranjo misterioso de lógica sem
misericórdia para um propósito fútil. O máximo que se pode esperar dela é algum
conhecimento de si mesmo... que chega tarde demais... um amontoado de
arrependimentos inextinguíveis. Eu tenho lutado contra a morte. É a competição
mais entediante que vocês podem imaginar. Ela acontece numa mediocridade
intangível, com nada sob os nossos pés, com nada entorno, sem espectadores, sem
um clamor, sem glória, sem o grande desejo de vitória, sem o grande temor da
derrota, dentro de uma atmosfera doentia de cepticismo morno, sem se acreditar
no próprio direito e ainda muito menos quanto ao direito do adversário. Se for
aquela a imagem da derradeira sabedoria, então a vida é um enigma maior do que
alguns de nós poderiam sequer supor que seja. [...]”
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