Terra Nova – Antología de Ciencia Ficción Contemporánea (Sportula,
2013) é uma antologia internacional de contos de ficção científica em espanhol
organizada pelo espanhol Mariano Villarreal e o argentino Luis Pestarini, com
uma belíssima capa do ilustrador espanhol Ángel Benito Gastañaga. Em sua maioria
são contos passados em futuros próximos que exploram o impacto social que novas
tecnologias – algumas já em desenvolvimento – terão na vida das pessoas e as questões
morais e filosóficas decorrentes, mas que também trazem reflexões sobre temas
importantes do mundo atual. A difícil adaptação de uma imigrante em um novo país;
amantes robóticos sobre encomenda; exploração de zumbis por um governo
totalitário; a alienação do indivíduo nas redes sociais do futuro;
transferência de mentes para corpos de aluguel em países subdesenvolvido; backup da mente digitalizada de entes
queridos; uma revolução de humanos geneticamente modificados durante a
terraformação do planeta Marte; e a defesa dos direitos de inteligências
artificiais de estimação em um mundo virtual; são apenas alguns dos temas
explorados nos sete contos e uma noveleta de autores de países diversos como
Espanha, Cuba, Argentina, China, Estados Unidos e Inglaterra.
El zoo de papel, Ken Liu
(EUA/China)***** - Excelente
conto de fantasia do chinês radicado nos Estados Unidos Ken Liu. Achei estranho
este conto estar numa coletânea de ficção científica, mas ninguém poderá
reclamar, pois ele é excelente – um dos melhores da antologia. Nele
acompanhamos a relação de um garoto nascido nos Estados Unidos da América,
filho de um americano com uma imigrante chinesa. Sua mãe tem uma estranha
habilidade: insuflar vida em pequenos origamis de papel. Conforme ele vai
crescendo, cresce também a vontade de assumir o american way of life e renegar sua herança cultural chinesa –
incluindo sua própria mãe. Já adulto ele recebe uma carta de sua falecida mãe,
e fica sabendo de sua triste história. Fenomenal!
Deirde, Lola Robles (Espanha)
***** - Conto sobre robôs com
temática homossexual da autora espanhola Lola Robles. No melhor estilo Isaac
Asimov, a autora nos brinda com um conto sobre um futuro em que uma empresa
oferece parceiros robóticos criados a partir das preferências e perfis
psicológicos dos clientes. Uma mulher desiludida após várias desilusões
amorosas com parceiras diversas resolve encomendar uma robô. Sua parceira
robótica é perfeita e lhe ama sem reservas, mas será mesmo amor o sentimento
resultante do condicionamento de uma programação? Uma comovente história que atravessa
as limitações de gênero em uma reflexão sobre o que é o amor verdadeiro.
Recuerdos de un país zombi,
Erick J. Mota (Cuba)**** - Muito bom conto do autor cubano Erick J. Mota. Uma
mistura de Walking Dead com Guerra Mundial Z, onde conhecemos um
mundo assolado por uma praga zumbi causada por um vírus, e cientistas cubanos
descobrem uma vacina que deixa os mortos-vivos dóceis e obedientes mas que
contamina pessoas saudáveis. O governo revolucionário cubano começa a usar esta
vacina para explorar a mão-de-obra zumbi nas lavouras e no exército, mas
secretamente planeja contaminar a população inteira criando o cidadão
revolucionário perfeito: totalmente obediente e comprometido com a causa
revolucionária cubana.
Enciende una vela solitária,
Víctor Conde (Espanha)** - Conto
do espanhol Víctor Conde, é o que menos gostei na antologia. Faz uma crítica às
redes sociais. Uma história psicodélica sobre um futuro onde as pessoas podem
mergulhar em um mundo virtual onde todas as mentes estão unificadas,
compartilhando sentimentos, sensações e lembranças; um pesadelo onde não há
individualidade. Parece o relato de alguém olhando as postagens de amigos no
Facebook após usar LSD.
Cuerpos, Juanfran Jiménez (Espanha)****
- Conto muito bom no estilo ciberpunk
do espanhol Juanfran Jiménez sobre um futuro no século XXII, em que uma
poderosa empresa explora um inusitado tipo de turismo: a transferência de
mentes realizada remotamente entre europeus e latino-americanos. Neste mundo –
onde o abismo social entre o velho e o novo mundo se tornou ainda mais largo –
a imigração ilegal se tornou impossível, e turistas europeus ricos tem a
possibilidade de visitar turisticamente países exóticos – incluindo o turismo
sexual – alugando os corpos de pessoas pobres que ganham a vida desta forma. É
neste contexto que um revolucionário descendente de indígenas, tenta fugir de
seu passado e imigrar ilegalmente para a Europa transferindo definitivamente
sua mente para o corpo de um turista sexual europeu.
Um día sin papá, Ian Watson
(Inglaterra)*** - Mais um conto ciberpunk,
desta vez do escritor inglês Ian Watson, sobre um futuro onde através de uma nova
técnica, as pessoas podem compartilhar suas mentes com as mentes digitalizadas
de pessoas mortas. Uma atarefada mãe de família hospeda a mente de seu falecido
pai e tem que se desdobrar entre as tarefas domésticas e dar atenção à sua filha
e marido – e ainda encontrar algum tempo para que seu inquilino mental assuma o
controle de seu corpo e aproveite um pouco sua nova condição de existência.
Diante de tantas responsabilidades ela ainda tenta cuidar de algo há muito vem negligenciado:
sua própria vida.
Memoria, Teresa P. Mira de
Echeverría (Argentina)**** - Conto da filósofa e escritora argentina Teresa
P. Mira de Echeverría, se passa em um futuro não muito distante em que a
humanidade está terraformando o planeta Marte. Para este trabalho é criada uma
raça de humanos geneticamente modificados para se adaptar ao ambiente marciano.
Uma história com a temática homossexual que mostra a vida de um garoto que
cresce e se apaixona por um marciano que se tornará o líder da uma revolução
que poderá tornar Marte independente da Terra. Para garantir sua felicidade e o
futuro do planeta Marte, ele deverá seguir rigidamente as orientações advindas do
um estranho poder premonitório de seu companheiro. Neste novo mundo, um
triângulo amoroso e um bizarro ritual podem revolucionar a reprodução humana e
criar uma nova raça de pós-humanos em um do futuro onde a autora explora as
funções do sexo na sociedade.
El ciclo de vida de los objetos
de software, Ted Chiang (EUA)**** - Noveleta do prestigiado escritor
americano de descendência chinesa Ted Chiang sobre inteligências artificiais de
estimação. Uma empresa cria criaturas virtuais inteligentes chamadas digientes (entes digitais) para serem
mascotes em uma realidade virtual do futuro. Estes seres artificiais tem a capacidade
de aprendizado, e o desenvolvimento do potencial de cada um depende da
dedicação dos donos em ensiná-los. Após a falência da empresa, um grupo de
funcionários e proprietários de digientes
mantém fóruns na internet e lutam para mantê-los a salvo de ameaças como
pirataria, tortura, exploração sexual e o fim do mundo virtual onde vivem – que
está sendo substituído por um mais moderno, mas incompatível com a programação ultrapassada
dos digientes. Em meio à luta pela
emancipação e reconhecimento dos digientes
como seres inteligentes, dois ex-funcionários devem decidir se vale a pena
aceitar a proposta de uma empresa que propõe utilizar as criaturas como
companheiros sexuais virtuais – o que possibilitaria angariar os recursos
necessários para salvá-los da extinção e reprograma-los para a nova realidade
virtual hegemônica. Ao ler esta sensacional história não pude deixar de refletir
sobre a curta duração dos softwares e
websites na era da informática –
alguém aí lembra do Pegasus Mail,
Netscape Navigator, Napster, eMule, Mirc, Kazaa, entre
outros? – e da grande migração que aconteceu no mundo das redes sociais dos
usuários do Orkut para o Facebook.