Ficção científica militar é um subgênero
da ficção científica com tramas que se passam em guerras, sejam no espaço ou na
Terra, em que os protagonistas lutam em exércitos regulares. Desta forma, histórias
sobre grupos rebeldes lutando contra regimes galácticos opressores, como em
Star Wars, não se encaixam nesta categoria, sendo classificadas mais
adequadamente como Space Operas.
Este ramo da ficção científica
não deve ser acusado de propaganda à guerra e ao militarismo – livros como Forever War fazem críticas contundentes
à guerra. São histórias que exaltam a luta pela sobrevivência nos campos de
batalha, o companheirismo entre os soldados, a defesa da humanidade, e a
coragem, determinação e união que são exigidas para derrotar inimigos muito
mais poderosos.
A lista segue a ordem cronológica
de lançamento. Os que estão com o título em português foram publicados no
Brasil.
1) Tropas Estelares (Starship
Troopers), de Robert Heinlein, 1959
Livro que inaugurou o gênero,
mostra a humanidade representada pela Confederação Terrestre em uma guerra
interestelar contra alienígenas com formato de insetos do planeta Klendathu. O protagonista é Juan
“Johnnie” Rico, um recruta da Infantaria Móvel de um exército futurista de
soldados equipados com poderosas armaduras de combate, as Jump Suits. A trama acompanha sua ascensão de soldado até oficial
nas fileiras do exército e suas diversas batalhas contra os bugs.
É o livro mais controverso da
lista, pois mostra um futuro em que só é cidadão com direito ao voto aquele que
serve nas forças armadas da Confederação Terrestre. O livro também toca em
temas como pena de morte, castigos físicos, militarismo, democracia e
liberdade. Seu autor, Robert Heinlein, foi oficial da Marinha dos Estados
Unidos e é considerado um dos maiores escritores de ficção científica de todos
os tempos, sendo sempre colocado ao lado de nomes como Isaac Asimov e Arthur C.
Clarke. Ele foi acusado diversas vezes de fascismo por Tropas Estelares, mas é
curioso como anos mais tarde este mesmo autor escreveu Stranger In a Strange Land, livro se tornou inspiração para os hippies e a geração Sexo, Drogas e Rock ’n’ Roll.
O livro ganhou o prêmio Hugo de melhor romance em 1960 e foi
adaptado para o cinema por Paul Verhoeven em 1997. O filme não respeita muito a
história original e não fez muito sucesso nas bilheterias, mas é considerado um
cult e foi muito elogiado pela crítica como uma sátira fascista do militarismo
americano. O filme teve duas continuações horrorosas de baixo orçamento, Starship Troopers 2: Hero of the Federation,
de 2004, e Starship Troopers 3: Marauder,
de 2008; uma série de animação com 37 episódios, Roughnecks: Starship Troopers Chronicles; um longa em animação gráfica
chamado Starship Troopers: Invasion;
e várias minisséries em quadrinhos pela editora Dark Horse Comics. Há planos para uma nova adaptação para o cinema,
desta vez mais fiel ao material original.
2) Guerra Sem Fim (Forever War), de Joe Haldeman, 1974
Mais um clássico da ficção
científica militar, neste livro acompanhamos a história do recruta William
Mandela, que se alista nas forças armadas das Nações Unidas para lutar em uma
guerra interestelar contra alienígenas conhecidos como Taurianos. Para viajar as vastas distâncias interestelares as naves
viajam através de portais chamados colapsares,
que permitem viajar muitos anos-luz em segundos, mas com pesados efeitos
relativísticos – no planeta Terra se passam décadas ou até séculos a cada
viagem.
Este livro não é apenas uma
imitação de Tropas Estelares ou uma Space Opera qualquer. O recruta William
Mandela não é um herói que salva o dia com grandes atos de heroísmo e bravura,
mas sim, uma pessoa comum relutando em lutar uma guerra que não entende e está mais
preocupado em sobreviver e voltar para casa. Ele continua vivo mais por sorte
do que por sua habilidade como guerreiro ou da estratégia adotada por seus
comandantes, em uma guerra onde milhares morrem no interior das naves sem
sequer ter a chance de lutar contra o inimigo.
O foco da história é nas mudanças
ocorridas na sociedade terrestre após as décadas que se passam até o seu
retorno – devido à dilatação temporal – e em sua dificuldade de adaptação aos
novos tempos. Com a economia mundial cada vez mais destroçada por causa da
guerra, o planeta é um local cada vez mais perigoso, com a ruas dominadas por
bandidos; governos racionam alimentos e tentam conter o crescimento
populacional incentivando cada vez mais o controle de natalidade e as relações
homossexuais. Com o passar dos séculos praticamente todo cidadão é gay, e os
costumes e a linguagem mudam tanto que nosso protagonista quase não consegue se
comunicar com outras pessoas. A cada retorno o mundo se torna um lugar tão
diferente que ele se sente cada vez mais deslocado e sem vontade de se adaptar,
à vontade somente na presença de outros veteranos, o que faz ele continuar na
carreira militar.
Um alerta: não há nenhuma crítica
ao homossexualismo nesta história! O autor foi veterano da guerra do Vietnã,
sendo ferido em combate e condecorado com uma das mais altas comendas das
forças armadas americanas. Guerra Sem Fim é uma metáfora da situação daqueles
que lutaram nesta guerra e voltaram para a casa no final dos anos 60 e início
dos anos 70 – época de algumas das maiores transformações culturais já vistas
na história da humanidade – e encontravam uma sociedade muito diferente daquela
que deixaram. Foi a época dos grandes protestos contra a guerra, os arsenais
nucleares, o preconceito racial e sexual; e pelos direitos civis, a liberação
sexual, a liberalização das drogas e a paz mundial.
Guerra Sem Fim ganhou o prêmio Nebula em 1975, e os prêmios Hugo e Locus em 1976. Teve duas continuações: Forever Free, de 1997 e Forever
Peace, de 1999. Em 2008 o cineasta Ridley Scott anunciou ter comprado os
direitos para adaptar o livro para o cinema.
3) Armor, de John Steakley, 1984
O menos badalado da lista – mas
nem por isso de qualidade inferior –, este livro pode parecer à primeira vista
uma imitação barata de Starship Troopers
se você ler desatentamente alguma resenha sobre ele, mas esta impressão é desfeita
logo nas primeiras páginas. No futuro a humanidade está envolvida até o pescoço
na Antwar, uma guerra contra alienígenas
de três metros de altura em formato de insetos conhecidos como ants. Para combatê-los, os soldados
humanos lutam com super-armaduras que são o produto de centenas de anos de
evolução tecnológica. Felix é um soldado batedor enviado para Banshee, planeta de origem dos
alienígenas, em uma grande ofensiva da humanidade em território inimigo. Os humanos
são emboscados e massacradas pelos insetos, que estão em esmagadora maioria e
contam com armas desconhecidas que pegam as tropas de surpresa. Em meio ao enxame
de inimigos uma estranha entidade chamada engine
assume o comando da mente de Felix e ele começa a lutar com uma ferocidade e
habilidade jamais vistos em um ser humano, transformando-se em uma máquina de
matar. Após uma verdadeira carnificina em meio a milhares de inimigos, Felix se
vê como o único sobrevivente das tropas enviadas ao planeta, e logo depois de
ser resgatado é enviado novamente ao front.
Ele sobrevive batalha após batalha, suportando as mais duras provações, sempre salvo
nos momentos cruciais pela engine;
com o tempo ele acaba se questionando sobre a razão desta guerra e como ele se
tornou o ser humano com mais combates no currículo, além da misteriosa natureza
da entidade que o comanda quando ele está em perigo.
Em outra trama paralela, um
pirata espacial que adotou a alcunha de Jack
Crow consegue fugir de uma prisão alienígena e se junta à tripulação da
nave de um grupo de desertores da Antwar.
A nave do grupo vai até Sanction, um
distante planeta com uma colônia de pesquisa onde Jack terá de se infiltrar
entre os pesquisadores e traí-los para roubar seu combustível para a nave. Mas
conforme ele vai vivendo o dia a dia da colônia e se envolvendo cada vez mais
com seus habitantes, sua lealdade começa a mudar de lado. Enquanto isso, em uma
nave perdida no espaço, uma armadura carrega as lembranças de um soldado que
lutou diversas batalhas na Antwar.
Esta é a armadura de Felix, o melhor mais experiente soldado da humanidade.
Que fim levou Felix e como sua
armadura foi parar em uma nave perdida no espaço? Quem terá a lealdade de Jack
Crow? As duas tramas se unem em um dos finais mais eletrizantes que eu já li.
4) All You Need Is Kill (Ōru Yū Nīdo Izu Kiru), de Hiroshi Sakurazaka,
2004
Único livro da lista de um autor
que não é americano – Hiroshi Sakurazaka é japonês, como o nome já indica – e o
único que se passa na Terra. Neste a humanidade luta há anos contra uma horda
de alienígenas conhecidos como mimics.
Acompanhamos o soldado Keiji Kiriya, um recruta da divisão de armaduras de
combate do exército japonês que morre em poucos minutos na sua primeira batalha,
mas acorda no dia anterior à sua morte. Antes de morrer ele encontra a lendária
Full Metal Bitch, uma supersoldado
das forças especiais americanas que luta com um machado gigantesco e é a melhor
combatente da humanidade.
Ele então percebe que sempre que
morre, acaba retornando à mesma hora do dia anterior à batalha e decide então
aproveitar a situação para melhorar suas habilidades de combate, como em um
grande jogo de vídeo game. Em seu novo treinamento ele é ajudado pelo Sargento Ferrell
Bartolome, um veterano de muitas batalhas contra os mimics – e que curiosamente é brasileiro – e por Rita Vrataski, a Full Metal Bitch.
O livro é muito bom e tem batalhas
sensacionais. Apesar de narrar uma guerra contra alienígenas, a forma como são
descritos o relacionamento entre os soldados e as batalhas é bem realista. A
história nos passa algo próximo ao que deve ser lutar em uma guerra e perder
companheiros em combate. A explicação do loop
temporal em que o soldado Keiji Kiriya está preso e a origem e dos mimics são bem criadas e fundamentais no
desenvolvimento da trama. O desfecho é arrasador.
Gostei muito da Rita Vrataski/Full Metal Bitch e de sua opção, em meio
de uma guerra com armaduras tecnológicas de última geração, pelo uso do milenar
machado e sua justificativa bem sensata para tal. Esta personagem rouba a cena!
O livro foi adaptado para o
cinema americano sob o nome Edge of
Tomorrow (No Limite do Amanhã por
aqui), com Tom Cruise no papel principal e Emily Blunt como Rita Vrataski/Full Metal Bitch. Há ainda uma adaptação
para mangá desenhada por Takeshi Obata, conhecido pelos desenhos de Hikaru No Go, Death Note e Bakuman, que será lançado ainda este
ano no Brasil pela JBC. Também existe uma adaptação horrorosa para os
quadrinhos nos Estados Unidos.
5) Old Man’s War, de John Scalzi, 2005
“Eu fiz duas coisas em meu aniversário de setenta e cinco anos. Visitei
o túmulo de minha esposa. Então me alistei no exército.”
Com esta fantástica abertura
começa o mais recente livro desta lista. Esta é a história de John Perry, que
aos 75 anos decide entrar para as Forças de Defesa Colonial em um futuro onde a
humanidade está se espalhando entre vários sistemas estelares na galáxia. Mas
em seu caminho há várias espécies alienígenas que não estão dispostas a dividir
seu espaço, e há guerra em muitas frentes. A FDC não está interessada em
recrutas jovens, ela prefere pessoas experientes dispostas a abandonar suas
vidas na Terra, lutar por um período e depois colonizar um planeta distante,
sem jamais voltar ao planeta de origem da humanidade. Para isso elas ganham
corpos geneticamente alterados e modificados com nanotecnologia que lhes dão
força, velocidade e resistência amplificados, para poderem lutar contra as mais
diversas raças alienígenas que encontrarão na expansão e defesa das colônias
humanas. Todos também possuem um implante neural que funciona como dispositivo
de comunicação e computador pessoal, que realiza comunicação diretamente com o
cérebro do combatente e serve de tradutor, mapa, controle de armamento entre
outros.
Romance de estreia do escritor
John Scalzi, Old Man’s War é marcada
por um excelente protagonista, com personagens coadjuvantes muito interessantes
– muitos dos quais infelizmente morrem – e, principalmente, muito bom humor. Há
passagens muito hilárias, com destaque para o período de recrutamento e o
Sargento que fica responsável pelo treinamento dos futuros soldados. O livro
brinca com nossos preconceitos quando mostra espécies alienígenas de aparência
ameaçadora, mas que são superavançados e pacíficos; enquanto outras tem uma
aparência amigável mas são inimigos letais. A cada batalha milhares de soldados
podem morrer antes mesmo de sequer compreender o que é o inimigo contra o qual
estão lutando, como em uma batalha onde uma espécie controlava a forma da água
e mata milhares de soldados afogados; ou outra que não passava de um fungo
subterrâneo que mata uma colônia inteira com dezenas de milhares de humanos
antes que estes pudessem entender o que estava acontecendo. Há também inimigos
hilários como os covandu, seres
humanoides minúsculos que podem ser mortos simplesmente pisando-se neles.
A série Old Man’s War conta atualmente com cinco livros e segue em The Ghost Brigades, The Last Colony, Zoe's Tale,
e The Human Division. Está previsto
para 2015 o lançamento do sexto livro, The
End of All Things. Há também duas histórias curtas: The Sagan Diary, e After the
Coup. Existem planos para uma série de TV no canal SyFy e a Paramount
comprou os direitos para uma futura adaptação cinematográfica.